14/11/2016

Por que ainda não temos uma pílula masculina

Artigo de Adam Watkins, pesquisador associado de Biomedicina Celular e dos Tecidos na Universidade de Aston.



Um estudo recente que analisava a eficácia de uma injeção contraceptiva masculina foi suspenso depois que os homens participantes notificaram uma maior incidência de acne (quase a metade deles), transtornos no estado de ânimo (mais de um quinto) e um aumento da libido (mais de um terço). Havia 320 homens no estudo... e foram notificados, no total, 1.491 acontecimentos adversos. Os supervisores do ensaio consideraram que esses efeitos secundários eram mais importantes que o fato de que, aparentemente, a injeção contraceptiva funcionasse bem na hora de reduzir a produção de esperma (e os testes parecem confirmar suas inquietações).
No entanto, muitas mulheres terão a impressão de que esses efeitos secundários parecem pouco importantes se comparados com os da pílula anticoncepcional feminina (e tampouco lhes faltará razão). Alguns deles são mesmo: ansiedade, aumento de peso, náuseas, cefaleia, diminuição da libido e coágulos sanguíneos. Os que nos leva à pergunta: por que é tão difícil fabricar um contraceptivo masculino? E se ele foi deixado de lado por seus efeitos secundários, a pílula anticoncepcional feminina teria chegado a ser comercializada se fosse inventada na atualidade?
À primeira vista, controlar a fertilidade do homem deveria ser a opção mais simples. O esperma é produzido de maneira constante, e não por ciclos, como os óvulos da mulher. O que significa que, salvo que exista um problema de saúde subjacente, os homens sempre são férteis. Além disso, como conhecemos bem o processo biológico da produção de esperma, os métodos para interrompê-lo também estão claros.
O estudo antes mencionado utilizava a relação conhecida de sobra entre a testosterona – o hormônio que confere ao homem suas características masculinas – e a produção de esperma. Quando se administra aos homens testosterona sintética combinada com um progestogênio, que é outro hormônio – semelhante aos que a pílula costuma conter –, a produção de esperma nos testículos se reduz drasticamente.
Antes que o estudo fosse interrompido, os pesquisadores da Universidade Martin Lutero (Alemanha) observaram que as taxas de gravidez dos homens do estudo se reduziam para uma cifra equivalente a somente 1,5 bebê concebido para cada 100 casais. Se se compara com a taxa de gravidez das mulheres que tomam a pílula combinada, nove bebês para cada 100 casais, a criação do contraceptivo masculino parece não deixar dúvidas.

Então, qual é o problema?

Apesar do que foi observado, nos deparamos com o final de outro estudo (e não estamos mais perto da fabricação de um contraceptivo masculino viável). Em consequência, as mulheres voltam a estar sozinhas na hora de cuidar de sua fertilidade, e também de suportar o peso dos efeitos colaterais. Pode ser que muitas mulheres considerem que esses efeitos sejam um mal menor comparados com uma gravidez não desejada, e pode ser que muitas também se perguntem se será eficaz deixar a responsabilidade da contracepção nas mãos dos homens.
Mas os efeitos secundários do anticoncepcional masculino poderiam ter, de fato, uma consequência benéfica insuspeita. Se os dois tomassem anticoncepcionais – e ambos passassem pela experiência dos efeitos colaterais –, seria criado um sentimento compartilhado de responsabilidade sobre a fertilidade do casal. Além disso, se um deles tivesse que interromper o uso do contraceptivo, o outro poderia começar a tomar o seu, com o que se repartiriam as repercussões dos efeitos colaterais.
Então, por que é tão difícil criar um anticoncepcional masculino eficaz, quando as mulheres tomam a pílula, e suportam seus efeitos colaterais, desde o início da década de 1960? Na verdade, se nos fixarmos nos resultados do estudo original de 1956, é difícil entender que a pílula anticoncepcional tenha chegado a ser comercializada.
O primeiro ensaio em grande escala em mulheres foi realizado em Rio Piédras, um complexo de moradias subvencionadas de Porto Rico. As mulheres que participaram receberam pouca informação sobre o produto que lhes foi administrado, em parte porque se sabia pouco e, em parte, talvez, porque nenhuma das pessoas que dirigiam o ensaio considerou isso necessário. Assim eram os testes clínicos na década de 1950.
Embora já na época as mulheres tivessem notificado efeitos colaterais como cefaleias, enjoos, náuseas e coágulos sanguíneos, na maioria dos casos não se deu importância a isso. Menos mal que, desde então, a pílula passou por melhorias e modificações constantes, até se tornar um método contraceptivo utilizado por 225 milhões de mulheres em todo o mundo.
Não há dúvida de que a pílula transformou a liberdade sexual da mulher, e lhe permitiu ter um maior controle sobre o momento de ter filhos. De fato, em 2012 as mulheres britânicas escolheram a pílula como seu invento preferido do último século (à frente de formas de entretenimento como a Internet e a televisão)
Em consequência, é estranho que as grandes farmacêuticas não tenham investido mais recursos em uma pílula masculina. O próprio sucesso do anticoncepcional feminino parece ser um dos responsáveis. Como muitas empresas farmacêuticas obtêm suculentos lucros com os anticoncepcionais femininos, não demonstram muito interesse em outras opções.
Também dá a impressão de que nem todos os homens desejam esse tipo de anticoncepcional. É o que mostra um estudo de 2005 no qual se pesquisou mais de 9.000 homens de nove países sobre se estavam dispostos a tomar uma pílula masculina. Cerca de 70% dos homens da Espanha e Alemanha afirmaram que gostariam de tomar, menos de 30% dos homens da Indonésia mostraram uma atitude positiva a respeito.

Responsabilidade compartilhada?

Enquanto isso, parece que, até que haja uma maior demanda de uma “pílula” por parte dos homens, a responsabilidade recairá nas mulheres. O que significa que hoje continua sendo tão necessário como sempre um regulador da fertilidade tão potente como a pílula anticoncepcional feminina.
É preciso recordar que muitas mulheres tomam a pílula por seus benefícios adicionais, como a diminuição do sangramento e a dor na menstruação, a redução da acne e o alívio da síndrome pré-menstrual. Com o aparecimento de novas pílulas anticoncepcionais melhoradas, que contêm doses menores de hormônios, os efeitos colaterais negativos desse fármaco também aprecem reduzir-se.
Na realidade, à luz dos enormes benefícios que a pílula anticoncepcional concedeu às mulheres e à sua saúde sexual, fica difícil imaginar um mundo sem ela. Mas talvez também devamos nos perguntar por que, em pleno século XXI, a ideia de que um homem tome uma “pílula” anticoncepcional continua sendo tão chamativa.
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/10/ciencia/1478768514_580072.html
foto:http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2009/08/31/cientista-defende-a-pilula-anticoncepcional-masculina/

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