20/09/2016

Argentina se entusiasma diante da possibilidade de sair da crise


Argentina viveu esta semana duas realidades paralelas. De um lado estava o fórum de investidores, inspirado no encontro de Davos, que reuniu 1.900 empresários e executivos de 67 países. Ali se transmitiu um enorme otimismo sobre a economia argentina. Sobraram elogios e respaldo entusiasmado às políticas adotadas pelo Governo do presidente Mauricio Macri. “A Argentina volta ao mundo, tem enormes possibilidades”, insistiam os executivos de grandes companhias como Coca-Cola, BP, Dow Chemical e Siemens. No entanto, fora dali, a crise ainda piora. A inflação e a recessão fizeram estragos e o desemprego foi a 9,3% com uma queda da produção industrial em julho de 7,9%. A realidade argentina hoje parece ainda muito dura, mas tanto o Governo quanto os investidores começam a ver sintomas de que setembro dá sinais de uma recuperação depois de um ajuste muito duro nos primeiros meses de Macri, que resultaram em 1,4 milhões de novos pobres.
Quase tudo na Argentina gira em torno à inflação, uma característica endêmica que destroça sistematicamente a economia do país e abalou vários governos nos últimos 30 anos. Por isso, quando nesta semana chegaram os dados de agosto, nos quais se registrou uma inflação mensal de 0,2%, que em qualquer outro país latino-americano seria normal ou até alta, o mundo econômico argentino estourou em festa. Nos meses anteriores tinha sido de 3% ao mês até chegar a arrasadores 42% anuais. O entusiasmo foi tanto que até o presidente teve de acalmar os ânimos: essa queda, lembrou, deve-se ao fato de a Suprema Corte ter segurado a alta do gás de até 800% em alguns casos. A Argentina continua tendo um problema muito sério com a inflação. “Todos sabemos que o índice caiu, mas voltará a aumentar. A inflação vai oscilar em torno de 1,5% ao mês até chegar em alguns anos a um dígito anual”, afirmou Macri.
O que realmente parece seguro é que a inflação começa a ceder. E em agosto alguns dados falam de uma recuperação ainda muito incipiente. E isso, em um país como a Argentina, tão acostumado à hipérbole, está gerando um grande entusiasmo entre os economistas, e não só nos mais próximos do Governo. Miguel Bein, que foi o principal assessor econômico do grande rival de Macri, o peronista Daniel Scioli, é muito otimista: “Há um mês que venho dizendo que as perspectivas são muito boas. Começam a se ver dados em compras de cimento, em construção, que são positivos. E também no consumo. É normal, porque há cinco milhões de pessoas que estão recebendo aumentos de 15% de seus salários, que começam a se recuperar”.
Bein se refere às altas salariais superiores a 30% anuais (15% a cada seis meses) que foram pactuados com os sindicatos e começam a fazer efeito. A loucura da inflação faz com que os argentinos vivam em uma montanha-russa: durante alguns meses o salário vai perdendo poder aquisitivo e de repente chega o aumento combinado e muda tudo. Essa inflação faz com que a economia seja inútil, com que tudo se volte ao consumo em um ciclo sem fim que faz da Argentina o país mais caro da América Latina e destroça sua competitividade. “Na competitividade continuaremos mal, porque se subirmos o câmbio na Argentina isso se reflete direto na inflação, temos um pass through dos mais altos do mundo, no Brasil isso não acontece”, explica Bein. Enquanto outras moedas latino-americanas caem com o dólar, o peso argentino apenas desvaloriza porque o Governo o controla para conter a inflação.
É este ciclo destrutivo que Macri está tentando mudar. Esta semana se viu que conta com o apoio das grandes multinacionais e dos principais países do planeta, que respaldam sua guinada liberal para uma economia mais aberta, e por isso cada vez mais analistas confiam que vai conseguir.
Também muitos empresários começam a ser otimistas. Daniel Fernández, CEO do Carrefour Argentina, explica que em seus supermercados estão sentindo nesses primeiros meses de Macri quedas fortes do consumo, de até 5%, mas confiam que se recuperará no fim do ano e que 2017 será um bom ano. “As pessoas ainda não notam a recuperação, mas nós acreditamos que com as paritárias [aumentos salariais] vai começar a melhorar. A inflação claramente está recuando”, explicou nos corredores da reunião de investidores.
Luciano Cohan, diretor da consultoria Elypsis, está convencido de que a Argentina já passou pelo pior. “Tivemos seis ou sete meses muito ruins. Pior ainda do que o esperado. Mas alguns números começam a melhorar. Há uma reativação do consumo e das obras públicas. Começa a haver altas do salário real, é tudo muito incipiente mas há uma mudança de tendência. O governo concentrou todos os custos no início de seu mandato. A transição foi mais longa do que o esperado, mas acreditamos que a Argentina voltará a crescer no fim do ano”, sentencia.
Diego Coatz, economista-chefe da União de Industriais, o setor mais afetado pela recessão, também acredita que o pior passou. “A produção e a atividade continuam em baixa, mas desde agosto vêm melhorando e vemos que o ano que vem haverá recuperação. Tocamos fundo, estamos no ponto mais baixo do V. O mais importante é conseguir que a inflação caia dos 20% anuais. Não haverá um boom de crescimento, mas pouco a pouco vai se recuperando, somos otimistas sem esquecer o realismo”. O otimismo se estende aos escritórios. Agora falta saber quando chegará à rua.


Reportagem de Carlos E. Cué
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/16/economia/1474048721_209182.html
foto:http://www.panoramas.pitt.edu/tags/argentina

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