11/07/2016

A difícil liberdade dos seis da base de Guantánamo no Uruguai

Desaparecimento de um dos refugiados no Uruguai simboliza a vida complexa após saírem da prisão.



Dos seis ex-detentos da prisão de Guantánamo que chegaram ao Uruguai em dezembro de 2014, só um conseguiu trabalho, dois foram denunciados por maus-tratos domésticos e por isso têm que usar tornozeleiras eletrônicas. Outro está desaparecido e é procurado no Brasil.
Há duas semanas se sabe que o sírio Jihad Ahmed Mujstafa Diyab não está em sua casa em Montevidéu e que foi visto, em pleno Ramadã, na localidade uruguaia de Chuy, uma "pequena Palestina" localizada na fronteira com o Rio Grande do Sul, no Brasil, onde existe uma comunidade de muçulmanos e que abriga a única mesquita do Uruguai.
A foto de Diyab, de 44 anos, foi publicada pela Avianca, que alertou sobre sua presença ilegal no Brasil, provavelmente com passaporte falso. Tratava-se de um comunicado interno, no qual a companhia aérea pedia que seus funcionários avisassem as autoridades caso o encontrassem. É comum as empresas aéreas serem notificadas sobre a possibilidade de suspeitos de crimes estarem entre seus passageiros. O incomum é esses comunicados vazarem para a imprensa.
Apesar de oficialmente ser um homem livre, com documentos uruguaios, na verdade seus movimentos são acompanhados de perto, segundo reconheceu o próprio encarregado de negócios dos Estados Unidos em Montevidéu, que afirmou que os dois países cooperam para localizar o homem de nacionalidade síria. O Uruguai sempre negou a existência de um acordo secreto com os EUA para impedi-lo de sair do país, como publicou a imprensa norte-americana.
No Brasil, a Polícia Federal realiza buscas no país e, internamente, a corporação teme que ele possa estar tentando voltar para a Síria ou planejando algum ataque a instalações brasileiras. Apesar desta possibilidade ser a menos debatida dentro da PF, o principal temor dos policiais seria um atentado relacionado às Olimpíadas, que serão realizadas no Rio de Janeiro em agosto. Oficialmente, a divisão antiterrorismo da Polícia Federal não prestou mais informações sob a alegação que se trata de “questões estratégicas e de inteligência”.

Adaptação lenta e complexa

A integração de todos os ex-presos de Guantánamo está sendo complexa, ainda que o caso de Diyab seja o mais delicado. O Uruguai, um país de “descendentes de navios” que foi fundado com a chegada de seis famílias no século XVIII, acompanha no detalhe o périplo dos refugiados. Seus nomes e fotos aparecem regularmente nos veículos de comunicação. Apesar de a maioria das demonstrações ser de apoio, também são julgados severamente.
Todos estudam espanhol e algum ofício, mas sua integração profissional e social continua pendente. Em fevereiro, um dos ex-réus, de nacionalidade tunisiana, foi denunciado por maus-tratos domésticos por sua parceira, e foi obrigado a usar uma tornozeleira eletrônica. É o único refugiado que conseguiu trabalho, em um centro islâmico. Outro ex-detido, desta vez um sírio, também usa tornozeleira por supostos maus-tratos domésticos contra a uruguaia convertida ao islamismo com quem se casou.
Outro dos homens teve recentemente uma filha, mas não tem emprego. As autoridades fornecem abrigo e uma ajuda mensal de cerca de 500 dólares (1.600 reais) a cada refugiado, mas a cesta básica no Uruguai custa mais que o triplo.
Após 12 anos em Guantánamo sem julgamento ou denúncia formal, Diyab foi o que chegou em pior estado de saúde ao Uruguai, após várias greves de fome e alimentação forçada por uma sonda nasogástrica. Tem problemas renais, nas costas e circulatórios, e se desloca com ajuda de muletas. Logo após aterrissar no país sul-americano, soube que um de seus quatro filhos tinha morrido na Síria. O restante de sua família não pôde se encontrar com ele. Seus parentes atribuem isso a atrasos e inoperância das autoridades uruguaias.
Cada vez mais irritado e descontente com sua vida no Uruguai, o ex-detento chegou a recomendar aos que permanecem em Guantánamo que fiquem na base cubana em vez de aceitarem ser transferidos para o país da América do Sul. E mostrou publicamente sua simpatia pela Al Qaeda.
Mas Diyab também recebeu inúmeras demonstrações de apoio de assistentes sociais, ativistas dos direitos humanos, médicos, enfermeiros, jornalistas... Todos contam a mesma história: como resultado de seus anos em Guantánamo, o sírio tem os lados direito e esquerdo do corpo com duas temperaturas diferentes. Pede a todos os homens (nunca a uma mulher) que toquem em seus braços. E todos lembram da mesma coisa: um estava frio, o outro, quente.
Em meio ao pior inverno que se registra no Uruguai em décadas, o refugiado não tinha calefação nem água quente em sua casa. Para muitos, seu desaparecimento era uma consequência certa.

Reportagem de Magdalena Martínez e Afonso Benites
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/internacional/1467667360_158652.html
foto:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/38757/seis+detentos+de+guantanamo+sao+transferidos+ao+uruguai+na+condicao+de+refugiados.shtml

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