11/11/2015

Empregue um refugiado


A imagem do corpo de Aylan Kurdi, o menino sírio de 3 anos que foi encontrado morto em uma praia da Turquia em setembro, chocou o mundo todo e reabriu o debate a respeito da política de imigração e de socorro a vítimas de guerras civis. Segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM), 350 mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo em busca de asilo desde janeiro deste ano. Cerca de 3 mil morreram tentando chegar à Europa, após naufrágios semelhantes àquele que acometeu a embarcação clandestina e precária que levava a família de Aylan rumo à ilha grega de Kos. Além da criança, outras 12 pessoas morreram naquele dia, incluindo o irmão Galip, de 5 anos, e a mãe, Rehan.
drama dos estrangeiros que se lançam ao desconhecido para salvar suas vidas, deixando familiares, amigos e carreira para trás não termina quando os mais afortunados finalmente conseguem pisar em terra firme. Quando chegam em outro país e este aceita abrigá-los, as dificuldades ganham outras dimensões. É preciso começar uma vida do zero, assimilando diferenças culturais e garimpando um posto no mercado de trabalho.
Para facilitar o acesso dos refugiados a uma vaga de emprego quando recebem asilo no Brasil, o empresário Henrique Calandra, descendente de sírios, decidiu, junto com o sócio Diogo Miloni, expandir a startup nascida há um ano e meio, a Wall Jobs, uma comunidade online de vagas de estágio para estudantes universitários. Desde setembro, a empresa começou a desenvolver também um site de vagas para refugiados no Brasil, a Jobs for Refugees.
O site entrou no ar no final de outubro e, desde a primeira semana de novembro, vem recebendo currículos de refugiados que entram em contato com o Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (PARR), uma associação sem fins lucrativos apoiada pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Também cadastra currículos vindos da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, onde cerca de 500 asilados recebem, por mês, o primeiro auxílio para moradia e alimentação.
"Essas instituições são nossas parceiras e estão utilizando o site da Jobs for Refugees para inserir diretamente os currículos dos refugiados que são atendidos todos os dias. Antes, esse trabalho era manual. Elas recebiam os currículos e entravam em contato com possíveis empregadores. Agora, o Jobs for Regugees será o responsável por essa interface", afirma Miloni, sócio da empresa.
Somente a PARR possui um banco de 6 mil currículos em São Paulo. "O objetivo da plataforma é ajudar os refugiados nesse recomeço de vida, que é muito complicado. Às vezes a pessoa chega ao país sem sua família, sem falar outro idioma, sem pertence algum. São pessoas que perderam tudo e precisam de apoio", conta Miloni. O empresário, de 26 anos, explica que recebe currículos de profissionais altamente gabaritados. "Infelizmente, nem sempre eles conseguem uma vaga em suas áreas de formação, pois há uma burocracia muito complicada na revalidação de diplomas no país e uma certa resistência de algumas empresas em contratar refugiados. O país acaba perdendo muitos profissionais gabaritados, como médicos e engenheiros, por causa disso", complementa.
Basicamente, o site de vagas para refugiados funciona como um portal de emprego tradicional. Os profissionais podem cadastrar currículos gratuitamente. Já as empresas interessadas em publicar suas vagas poderão aderir a um dos quatro planos oferecidos, cada um com uma mensalidade diferente. O modelo de negócios é o mesmo da Wall Jobs, que conta com 400 companhias cadastradas.
A Jobs for Refugees conta até o momento com 11 empresas parceiras, mas a meta dos empresários é de que o número de companhias cadastradas seja semelhante ao da Wall Jobs. Para fomentar a página de vagas para asilados, a companhia recebeu um aporte de 300 mil reais de um investidor anjo. Também está fechando parceria com órgãos públicos. "Queremos oferecer cursos de especialização e de português para os refugiados", afirma Miloni. Nesses casos, o empresário planeja aproveitar a sinergia com o Wall Jobs. "Estudantes podem ministrar os cursos. Alunos de letras, por exemplo, têm estágio obrigatório. Eles poderiam participar do projeto", destaca.

Procuram-se refugiados

Figone Burguer e Café, na Zona Sul de São Paulo, está com duas vagas abertas para refugiados este mês, ambas na cozinha. "O setor de alimentos carece de mão de obra, pois a rotatividade é enorme. Os funcionários faltam demais ou até arrumam outro emprego e vão embora sem avisar com uma antecedência mínima", afirma o fundador Marco Antonio Carboni. No mês passado, o empresário chegou a receber 30 currículos para uma vaga de copeiro que estava aberta. Agendou as entrevistas com os candidatos e todos confirmaram interesse. Mas, no dia combinado, ninguém apareceu.
Para Carboni, um estrangeiro que quer recomeçar a vida no país tende a apresentar um grau de comprometimento maior com a profissão. "A vaga não demanda qualificação. Só preciso de uma pessoa com vontade de aprender e de trabalhar seriamente. A atividade de cozinheiro é universal. Não falar português não é um problema", conta.
O executivo já empregou três refugiados palestinos cristãos, que vieram ao Brasil para acompanhar a visita do Papa Francisco, em 2013. Eles chegaram a pedir asilo no país, alegando perseguição religiosa, mas não se instalaram em São Paulo. Acabaram conseguindo refúgio em Minas Gerais. "Eles trabalharam comigo por seis meses e foi uma experiência maravilhosa. Ficavam na cozinha, mas se comunicavam muito bem em inglês e até ajudavam no atendimento a estrangeiros que passavam pela hamburgueria", diz.
Carboni destaca a burocracia na hora de contratar estrangeiros asilados. "Os palestinos conseguiram emitir um Registro Nacional de Estrangeiro (NE), mas não tinham carteira de trabalho. Tive de registrá-los por meio de uma cooperativa", conta. O estrangeiro, contudo, tem direito a todos os benefícios: fundo semelhante ao FGTS, 13º salário e um terço de férias.
Outra empresa que está contratando refugiados é a startup Jeenga, de automação de marketing. Há duas vagas de analistas em aberto, que demandam especialização em ferramentas de mídias digitais. "No Brasil há uma dificuldade grande em encontrar profissional qualificado nessa área. Chegamos a abrir as vagas para brasileiros também, mas até agora não encontramos ninguém com o perfil desejado", conta o sócio-fundador Luiz Filipe Couto, de 37 anos.
O salário de ambas as vagas é 3.500 reais. "A criatividade é a base do marketing. Nesse sentido, diferenças culturais são muito bem-vindas, pois agregam qualidades importantes ao processo de inovação", acredita Couto. A Jeenga tem dois anos de mercado e nove funcionários, dos quais um terço falam inglês. "A língua não é uma barreira para nós. O que queremos é alguém com muita vontade de aprender e conhecimentos técnicos em ferramentas como Google Analytics e redes sociais", destaca. A dificuldade de validação de diploma no Brasil também não é apontada como um entrave para o empresário. "Exigimos experiência ou um curso no país de origem, mas não um diploma juramentado. Até porque, no marketing digital as ferramentas mudam o tempo todo e o aprendizado é constante, no dia a dia", complementa.

Refugiados no Brasil

01,0002,0003,0004,0005,0006,0007,00001,1392,2783,4174,5565,6956,8347,97320102011201220132014Refugiados reconhecidosNovos pedidos de asilo
Refugiados reconhecidos
Novos pedidos de asilo
44
nacionalidades distintas pediram refúgio no país em 2014. A maioria do Senegal (20,3%), da Nigéria (13,4%), Síria (12,9%) e Gana (12,4%).
90%
dos solicitantes são homens. No total, 96% dos imigrantes são adultos e, 4%, crianças.
Fonte: Acnur-ONU



Reportagem de Ana Carolina Cortez
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/09/economia/1447091844_342328.html
foto:http://www.holytrinitytoronto.org/wp/2015/02/refugee-service-homily/

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