21/08/2015

Índia: Fraudes em provas de medicina e mortes de envolvidos nos casos paralisam parlamento

Oposição ao governo de Narendra Modi disse que não vota ou debate nada enquanto não houver punições; pelo menos 44 pessoas já morreram.



A venda de exames de admissão para estudar medicina no Estado de Madhya Pradesh, na Índia, ou para aspirar a um cargo público no governo estatal era conhecida por todos. De fato, milhares de estudantes e aspirantes a funcionários públicos pagaram suborno para serem aprovados nas provas, transformando um serviço público em um negócio que gerou milhões de dólares. Dessa vez, no entanto, essas fraudes fizeram com que o Poder Legislativo no país praticamente paralisasse suas atividades: a oposição se negou em fazer qualquer debate enquanto não houvesse renúncias e penalidades por esse e outros escândalos.
A história das fraudes passa pelo médico Anand Rai. Quando era estudante, Rai testemunhou pelo menos dois casos de corrupção nas solicitações de entrada. O jovem oftalmologista decidiu estudar a fraude e denunciá-la em 2009. Desde então, Rai fez mais de mil solicitações de informação ao governo de Madhya Pradesh e para a polícia para seguir de perto os ocorridos.
Assim, foi possível estabelecer, além disso, algumas das formas práticas da fraude: entre elas, enviar alunos brilhantes para fazer as provas de outras pessoas ou colocar alguém que conhecesse as respostas, posicionando-o entre dois “clientes” que poderiam copiá-las com toda liberdade (uma vez que até os examinadores faziam parte dessa rede).
A princípio, parecia ser obra de um grupo de marginais para aprovar qualquer exame realizado pelo Comitê para Exames Profissionais de Madhya Pradesh, mais conhecido como Vyapam por seu acrônimo hindu. Mas, conforme foram rastreados os nomes e identidades dos pagantes, os nomes de políticos famosos também apareceram nas listas. É o caso do ex-secretário de Educação estatal, Laxmikant Sharma, do atual ministro-chefe do Estado, Shivraj Chouhan, e de sua esposa, Sadhna Singh, que teria feito recomendações (algumas por escrito) para que a máfia fizesse aprovar alguns candidatos a estudantes e funcionários públicos.
O ministro Chouhan, membro do partido do primeiro-ministro Narendra Modi, negou toda relação, declarando-se inocente, e solicitou que a polícia acelerasse o caso.
Sumiço de nomes
Em 2012, o investigador forense Prashant Pandey entregou listas e informações sobre os milhares de acusados (mais de 2.000 até então), suspeitos e as formas de operar da máfia de Vyapam. Conforme o caso se tornou de conhecimento público, Pandey se deu conta de que seus arquivos apresentados como provas pela polícia de Madhya Pradesh tinham sido modificados irregularmente.
Particularmente, lhe chamou a atenção que os nomes de Shrivaj Chouhan e da esposa haviam desaparecido misteriosamente de seu trabalho forense. Um relatório da polícia, baseado em seu trabalho, não mencionava Chouhan, que havia sido citado por Pandey 48 vezes. Em 2014, o investigador se pronunciou. “Eu pensava que os documentos originais surgiriam, mas quando não aconteceu, tive de aparecer publicamente”, explicou.
Mortes
Namrata Damor, então com 19 anos, decidiu em 2010 pagar para entrar na escola de medicina. Foi descoberta junto a muitos outros durante as investigações policiais sobre o Vyapam. Em janeiro de 2012, Damor foi encontrada morta, estrangulada, mas a polícia declarou ter sido suicídio.
No final de junho de 2015, o jornalista televisivo Akshay Singh começou a investigar a morte de Damor. Até então, pelo menos 24 dos acusados de fraude nos exames, todos menores de 30 anos de idade, tinham morrido em circunstâncias suspeitas. No dia 4 de junho, ele foi à comunidade de Namrata entrevistar seus pais, que solicitavam a reabertura do caso, e fez com eles uma entrevista filmada. Segundos depois, morreu sem causa aparente.
Algo semelhante aconteceu com um funcionário do Departamento de Educação de Madhya Pradesh, que visitava Délhi e tinha já alertado a polícia de ameaças. Morreu no dia 5 de julho. Em menos de uma semana, a conta dos mortos chegou a 44 (48 segundo outros meios e até 156, segundo Anad Rai e Prashant Pandey). Todos antes que a polícia hindu pudesse sequer apresentar acusações formais contra ninguém.
Então a Corte Suprema, alertada pelas mortes, ordenou que a polícia começasse a apresentar acusações formais contra os 55 suspeitos principais, assim como informar sobre os milhares de envolvidos. A polícia abriu casos contra 38 pessoas e reabriu o caso de Damor por assassinato. Isso, pelo menos, deteve a onda de mortes estranhas.
Escândalo político
O governo acusou Pandey e Rai, que passaram a trabalhar juntos, de serem pagos pela oposição para criarem o escândalo. “Nos reunimos com o ministro [estatal] Kailash Vijayvargiya e lhe demos documentos, mas ele não fez nada a respeito”. Também enviaram uma cópia ao escritório do primeiro-ministro Narendra Modi, mas não obtiveram resposta. Somente então procuraram o oposicionista Partido do Congresso, dirigido por Sonia Gandhi.
A oposição atacou o governo de Modi e o Bharatiya Janata Party (BJP) por vários escândalos de corrupção. Ela exigiu, no caso do Vyapam, a renúncia imediata do ministro-chefe Srivaj Chouban. O porta-voz do Partido do Congresso, Rahul Gandhi, anunciou que, enquanto isso não acontecesse, seu partido se negaria a participar de qualquer sessão da câmara baixa do parlamento, bloqueando todos os debates pendentes durante os últimos dez dias.
E foi o que aconteceu: Hoje, os diversos projetos de lei, reformas e programas que Modi e seu partido tinham planejado aprovar foram engavetados. Um período inteiro de sessões parlamentares oficialmente se perdeu e os legisladores, agora, terão que esperar dois meses para retomar os trabalhos ao fim do recesso. Mas nem Modi se pronunciou a respeito de Vyapam, nem Chouhan renunciou a seu cargo em Madhya Pradesh.
Pelo contrário: um líder regional do BJP apoiou Chouhan dizendo que é tão puro como o Ganges (que certamente é um dos rios mais contaminados do país). E, no último dia 26 de julho, um domingo, a esposa de Prashant Pandey foi presa sem ordem de apreensão em Madhya Pradesh, ficou incomunicável e foi interrogada (foram confiscadas dela 960 mil rúpias, em torno de R$ 51,6 mil), mesmo apesar de ela contar com a proteção da Corte Superior de Délhi.
Nas últimas semanas, começaram a aparecer novos casos de fraudes semelhantes em Madhya Pradesh e em outros estados, com esquemas parecidos e com os mesmos fins. Ao que tudo indica, Uttar Pradesh e Maharashtra têm o mesmo problema de venda de provas e cargos públicos. As investigações em nível nacional podem levar décadas, com milhares de oficiais de polícia dedicados a isso. Mas ninguém garante, como no caso do Vyapam, que os responsáveis sejam castigados.

Reportagem de Luís A. Gomez | Calcutá
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/41369/india+fraudes+em+provas+de+medicina+e+mortes+de+envolvidos+nos+casos+paralisam+parlamento.shtml
foto:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150710_india_vestibular_fraude

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