13/07/2015

Vinte anos após Srebrenica, Bósnia ainda luta por reparações e para superar diferenças


“Quando os sinos desta igreja pararem de tocar, você vai ouvir o chamado para a prece vindo daquela mesquita ali. Não é lindo?”, os olhos de Miki brilham na noite de Sarajevo quando fala de sua cidade natal, a “Jerusalém da Europa”. Ali passou todos os seus quase 70 anos, inclusive quando a cidade sofreu o mais longo cerco da história da guerra moderna, no começo dos anos noventa, durante o desmembramento da Iugoslávia.
“As pessoas achavam que eram mais rápidas do que as balas. Às vezes corriam para atravessar a rua, porque sabiam que os snipers estavam ali em cima [do prédio]. Mas não chegavam ao lado de lá”, relembra.
Como a maioria dos bósnios com mais de 20 anos, Miki prefere não falar dos tempos da Guerra da Bósnia, embora as memórias sempre perpassem a conversa, mesmo quando o assunto é outro. É que o 11 de julho está chagando, explica, “e todos os anos é a mesma coisa”. Há 20 anos, a data entrou irrevogavelmente para o calendário europeu como sendo o início do pior massacre desde a Segunda Guerra Mundial.
Nas proximidades da pequena cidade de Srebrenica, 120 km ao norte de Sarajevo, mais de 8 mil homens e garotos bósnios, a maioria de origem mulçumana, foram mortos por forças militares sérvio-bósnias, sob o comando do general Radko Mladic, em menos de duas semanas. Muitos faziam parte do grupo de civis que era mantido dentro de uma fábrica protegida por um batalhão holandês de capacetes azuis e que foram obrigados a deixar o local pelos próprios representantes da ONU, quando o Exército bósnio da Sérvia apertou o cerco.
Símbolo dos atos de limpeza étnica perpetrados pela Sérvia de Slobodan Milosevic e da negligência da Europa, os acontecimentos de Srebrenica ainda reverberam com força em um país que luta por reparações de guerra e pela sua própria coexistência pacífica. Neste ano, a efeméride foi marcada por uma marcha de milhares de pessoas que refizeram o caminho de 80 km entre a zona livre e o local do genocídio, percorrido pelos sobreviventes. Um comboio com caixões de 136 vítimas recentemente identificadas seguiu para Srebrenica no último sábado (11/07). Elas serão enterradas junto às outras 6.241 que estão no memorial do massacre.
Na última quinta-feira (09/07), o Conselho de Segurança da ONU votou uma resolução que classificaria o massacre de Srebrenica como genocídio. No entanto, a Rússia, aliada da Sérvia, vetou o texto redigido por britânicos, chamando-o de "não-construtivo, de confronto e politicamente motivado".
Para o sobrevivente de Srebrenica Nedzad Avdic, 37 anos, a resolução seria de grande importância em termos de reparação e educação das futuras gerações. “É importante não só para os meus filhos, mas também para os filhos deles, para as crianças da Europa, para as crianças da guerra”, comenta.
Diferenças
Além de buscar reparações de guerra, a Bósnia-Herzegóvina luta pela sua própria coexistência, em meio a um caldeirão étnico-religioso e de divisões políticas. Não há um, mas três presidentes no país, que se revezam no cargo a cada oito meses. Cada um é eleito pelo grupo étnico que representa: bósnios mulçumanos (bosniácos), sérvios (cristãos ortodoxos) ou croatas (católicos).
O país é composto por duas entidades autônomas: a Bósnia-Herzegóvina e a República Sérvia, ao norte. Srebrenica fica na segunda, onde, não raro, ouvem-se discursos que negam o massacre. “Não foi bem assim”, diz, em tom ofendido, um jovem músico de 23 anos, quando perguntado sobre o tema. “Meu pai estava no Exército e perdeu muitos amigos. Isso é propaganda dos Estados Unidos”, completa.
Sintoma de que as feridas não foram totalmente fechadas, o atual primeiro-ministro da Sérvia, Aleksandar Vucic, foi alvo de fortes vaias — e atingido, inclusive, por uma pedra — quando deixava ontem a cerimônia em homenagem às vítimas do massacre, em Srebrenica.
Uma das cidades mais penalizadas pela Guerra da Bósnia, Mostar, no sul (Herzegóvina) é um símbolo dessas divisões e, principalmente, da superação delas. As águas esmeraldas do rio Neretva cortam a cidade ao meio, separando o lado croata e suas igrejas católicas daquele muçulmano, repleto de imponentes mesquitas.
Os moradores de uma e de outra parte cruzam para o lado oposto sem o menor problema e sao unânimes em dizer que não há conflitos. “Talvez no futebol, quando as criancas formam os times, pode ter alguma provocação, mas ninguém briga. Está todo mundo por aqui com esta história de guerra e a verdade é que somos todos iguais”, comenta um comerciante local, de 58 anos, enquanto rega as flores do seu jardim. Quase contíguo a ele, no centro de Mostar, está um parque que foi transformado em cemitério durante os tempos da guerra e que recebeu os corpos de muitos de seus amigos.
Moradora de Sarajevo, Sabrina Bolic, 35 anos, concorda que não há embates físicos na Bósnia-Herzegóvina de hoje, mas ressalta que ainda há muitas diferençaas, como a existência de escolas separadas para bosniácos e para sérvios. “Vocês que são estrangeiros não percebem, mas nós sabemos se nosso vizinho é sérvio, se é bósnio, e o que isso significa”, diz.

Reportagem de Kívia Costa | Sarajevo (Bósnia-Herzegóvina)
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/40994/vinte+anos+apos+srebrenica+bosnia+ainda+luta+por+reparacoes+e+para+superar+diferencas.shtml
foto:http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/vinte-anos-apos-massacre-de-srebrenica-bosnia-segue-dividida/

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