23/07/2015

Em busca da felicidade: em seminário no RJ, pesquisadores debatem maneiras alternativas de ser feliz

Simpósio interdisciplinar buscou refletir sobre tema a partir de diferentes áreas do conhecimento; para professora da UFRJ, sentimento não surge repentinamente como a alegria, mas nasce da reflexão: 'é algo de longo prazo.



Enquanto na Europa se negociava pela enésima vez o pagamento da dívida da Grécia, do outro lado do Atlântico meia centena de pesquisadores universitários se reuniam no Rio de Janeiro para falar de algo tão pouco tangível e concreto quanto isto: a felicidade.
“Nesta sociedade massificada e globalizada, estamos desaprendendo o que é a felicidade. Hoje existe um modelo de felicidade imposto desde lá de cima que nos governa. É um modelo materialista, que está focado totalmente no dinheiro”, afirma Teresa Salgado, professora de Literaturas Africanas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Teresa participa há cinco anos de um grupo de pesquisas sobre o tema, e este ano organizou um seminário com o título esperançoso de “Busca da Felicidade”. Na primeira semana de julho, pesquisadores se reuniram no Rio de Janeiro com a finalidade de refletir sobre temas tão sensíveis como transcendentes. O que é a felicidade? É possível alcançá-la? Qual é o caminho? Como chegar a outro conceito de felicidade?
Os participantes do simpósio, a maior parte deles brasileiros, debateram temas como culinária, filosofia, religiosidade, música, psicologia e pacificação das favelas cariocas.
Um dos fios condutores da reflexão era a poesia e a literatura da África. A pergunta é: O que um povo como o brasileiro, famoso por sua alegria transbordante, pode aprender com os povos africanos? “Eu aprendi tantas coisas com eles... Por exemplo, a ser autêntica, a ser uma pessoa que se relaciona com o espaço pelo que ele realmente é, de uma forma verdadeira e sorrindo”, diz Naduska Palmeira, professora e doutoranda em Literatura Africana na UFRJ.
Naduska morou em São Tomé e Príncipe durante quatro anos, de 2009 a 2013. Lá ela conheceu a obra poética de vários autores locais, que acabaram vivendo em Portugal. “Em São Tomé, não há uma pessoa sequer que não sorria. É um povo muito feliz, talvez porque seja um país pequeno onde a pessoas não têm que pegar um ônibus todos os dias para ir ao trabalho; onde você levanta a mão e come a fruta de uma árvore ou vai para a praia e pesca alguma coisa para o jantar. Lá esta relação com o capital e a necessidade de dinheiro não é muito forte”, conta esta pesquisadora.
“A África tem muito a contribuir na nossa relação com o corpo, algo que se perdeu no Ocidente. Cobrir o corpo não tem a ver apenas com o clima, mas com o conceito de culpa do catolicismo. A religiosidade africana lida muito bem com o corpo e a sexualidade e nós, brasileiros, somos herdeiros disso”, diz Teresa, organizadora do congresso.
As culturas africanas estão muito presentes no Brasil, um país que foi construído graças ao esforço e ao suor de milhões de escravos do continente e que ainda não resgatou totalmente sua riquíssima herança afro-brasileira. Não é uma coincidência que o país tenha sido o último a abolir a escravidão, em 1888.
“A partir do ponto de vista da literatura, com os povos africanos podemos aprender a esperança e a utopia, principalmente no período anterior à independência”, destaca Pires Laranjeira, professor de Literaturas Africanas na Universidade de Coimbra, em Portugal.
“Depois dos processos de independência, este conceito de utopia e de felicidade realizada veio por água abaixo, porque eles tiveram de enfrentar a pobreza e a escassez, governos autoritários e corruptos e guerras civis. As pessoas em seu dia a dia foram absorvidas pelos problemas cotidianos. Tudo isso se reflete na literatura”, acrescenta o professor.
Teresa conta que o interesse pelo tema nasceu em 2010 a partir de uma história pessoal e de uma reflexão sobre a imagem que o Ocidente tem da África. “Eu estava em um momento muito difícil da minha vida e comecei a analisar minhas escolhas profissionais e afetivas”, relata a pesquisadora.
“Ao mesmo tempo, meus alunos me pediam para abordar a África de outra maneira. Eles se perguntavam por que a imagem deste continente está sempre associada a conceitos como guerra, violência, pobreza, opressão e miséria. Num dia, eu levei para a sala de aula um livro do escritor angolano Ondjaki. Este autor me intrigava porque ele tem um livro quase proustiano, em que fala de sua memória de felicidade na época de sua infância. Aquela história, intitulada ‘Bom dia, camaradas’, me parecia impossível: como é possível falar da busca da felicidade no espaço africano?”, questiona Teresa.
Este foi o ponto de partida de uma reflexão muito mais ampla que culminaria em um fórum onde se fala da felicidade sem tabus. O objetivo do simpósio não é apenas acabar com a ideia unitária de apenas uma África, mas colocar em xeque os modelos globais de felicidade, que foram impostos em todo o mundo à medida que o estilo de vida capitalista foi avançando nos cinco continentes.

Reportagem de Valeria Saccone | Yorokobu | Rio de Janeiro
Tradução de Mari-Jô Zilveti
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/41032/em+busca+da+felicidade+em+seminario+no+rj+pesquisadores+debatem+maneiras+alternativas+de+ser+feliz.shtml
foto:http://tektoc.com/2014/03/21/happy/

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