11/05/2015

Degradação institucional: cidadania mal representada

Artigo de Dalmo de Abreu Dallari, jurista.




As casas do Parlamento - o Senado e a Câmara dos Deputados - são instituições fundamentais do sistema democrático representativo brasileiro. Por meio dos parlamentares a cidadania brasileira externa e defende seus valores, apresenta projetos visando o aperfeiçoamento das condições de vida e da convivência de todo o povo, avalia criticamente o desempenho do governo e procura contribuir, com inteligência, equilíbrio e conhecimento de causa, para a efetivação do Estado Democrático de Direito proclamado na Constituição.  No sistema constitucional que consagra a separação dos Poderes o Parlamento é identificado como o órgão do Poder Legislativo, mas pelo conjunto de suas atribuições ele é muito mais do que isso, devendo ser o veículo de expressão da vontade da cidadania no estabelecimento das normas legais e, a par disso, acompanhando e controlando o desempenho dos órgãos de governo, inclusive nas relações internacionais.
Como a própria denominação já evidencia, o desempenho dos membros do Parlamento se dá através da palavra, concebida como veículo da expressão de idéias, tanto para externar e defender propostas quanto para avaliar criticamente as decisões e ações dos órgãos governamentais. Para tanto, pressupõe-se que os membros do Parlamento estejam bem preparados, tenham um conhecimento básico da história e da realidade social contemporânea, sejam capazes de avaliar criticamente, com independência, equilíbrio e espírito público, os fatos e as circunstâncias da ordem política e social. E, como requisito absolutamente necessário, supõe-se que tenham a capacidade de externar por palavras suas idéias, suas propostas e suas críticas, bem como de dialogar com os opositores, em termos claros, objetivos e, obviamente, respeitosos, como deve ser de praxe numa sociedade civilizada.
Contrastando com tudo o que acaba de ser exposto, a imprensa brasileira vem divulgando fatos e revelando comportamentos que deixam evidente a existência de enorme distância entre o que se espera dos membros do Parlamento e o que vem ocorrendo na prática parlamentar brasileira. Dois pormenores básicos dessa prática acabam de ganhar grande evidência na imprensa e são bem ilustrativos do despreparo dos parlamentares. Um deles é a decisão de aumentar a idade de aposentadoria compulsória dos membros da cúpula dos Tribunais superiores, tendo por base não o interesse público ou o melhor desempenho das Cortes e de seus integrantes, mas, como deixou fora de dúvida o minucioso noticiário jornalístico, tomaram tal decisão com o único objetivo de impedir que a Presidente Dilma Rousseff possa fazer novas nomeações para o Supremo Tribunal Federal. Sem nenhum respeito pela Suprema Corte, sem ter noção de seu papel fundamental na organização política e jurídica brasileira, como guarda da Constituição, os parlamentares decidiram retardar as aposentadorias dos atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal. E isso, exclusivamente, para criar obstáculos à Presidente da República, sem que se tenha feito qualquer crítica às escolhas de Ministros feitas por ela até agora. 
Bastaria isso para deixar evidente o despreparo dos Parlamentares para o bom desempenho de suas importantes atribuições, pois seu comportamento revela a falta de consciência quanto ao significado político, jurídico e social das instituições fundamentais da República. Ficou evidente, por esse comportamento, que para muitos parlamentares o jogo político rasteiro e imediatista é que determina o seu comportamento e suas decisões, sem terem consciência de que, no interesse da cidadania, devem respeito às instituições fundamentais da República.
Outro aspecto lamentável dessa demonstração de despreparo está registrado na imprensa, em palavras e imagens. No plenário da Câmara dos Deputados, um grupo de parlamentares aparece batendo em panelas para festejar sua vitória pela aprovação da proposta de aumento da idade de aposentadoria compulsória. Sem nenhuma consciência das implicações institucionais da proposta aprovada, celebram de maneira primária e absolutamente grosseira sua vitória, não percebendo que com sua atitude estão degradando também o Parlamento e contribuindo para que se transmita para o exterior uma imagem negativa do Brasil. Com efeito, as fotos divulgadas transmitem a idéia de que os membros do Parlamento brasileiro não estão capacitados para se expressar por palavras, como veículos de idéias, mas, primariamente, batem em panelas, como qualquer grupo de gaiatos festejando a vitória numa competição esportiva ou carnavalesca.
A conclusão disso tudo é que se faz necessária a implantação de disciplinas escolares que façam a preparação dos brasileiros para a integração e o exercício da cidadania. Isso é necessário para que o povo faça boa escolha de seus representantes, para que os eleitores não entreguem o mandato representativo a pessoas despreparadas, que, incapazes de externar idéias, de apresentar ou criticar propostas por meio inteligente, usando da palavra, desmoralizam o Parlamento e, a partir de seu desempenho parlamentar primário e irracional, degradam outras instituições fundamentais da República. O povo brasileiro precisa escolher melhor os seus representantes, para que se tenha efetivamente no Brasil um sistema político-jurídico democrático, no qual os valores éticos e jurídicos consagrados na Constituição sejam as diretrizes dos integrantes dos Poderes da República.     

fonte:http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2015/05/08/degradacao-institucional-cidadania-mal-representada/
foto:http://tribunadainternet.com.br/quem-bancou-os-candidatos-a-presidencia-da-camara/

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