11/05/2015

As recrutadoras do Estado Islâmico

Artigo de Loretta Napoleoni, economista.



O Estado Islâmico promove o direito a construir uma nação, o Califado, com a antiga mensagem de “casa e lar”, de modo que incentiva seus militantes a se casar e reproduzir. Mas há uma escassez de mulheres e, portanto, a necessidade de uma campanha de recrutamento rica em ideais nacionalistas e repleta de anúncios matrimoniais.
Seu alvo principal são as muçulmanas ocidentais. E a verdade é que acaba sendo mais fácil recrutar mulheres criadas no Ocidente do que as de países árabes ou em desenvolvimento. As primeiras são mais ativas nas redes sociais, o campo ideológico mais frequentado pelas futuras heroínas jihadistas –e na qual se produz também boa parte da radicalização dos homens– e, em consequência, mais fáceis de se rastrear e persuadir. Mas, sobretudo, as ocidentais são mais cultas e independentes, características que as fazem especialmente sensíveis ao projeto nacionalista, assim como propensas a abandonar seus pais, parentes e amigos para fazer parte da nova nação. Entre estas está Fátima, uma jovem australiana de 20 anos, ex-estudante de Biologia, estabelecida na Síria no fim de 2013, que tuíta: “O nosso projeto é patriótico, o nascimento de uma nação, e nós somos as mães da pátria”.
Muitas das artimanhas que o Estado Islâmico utiliza para seduzir as mulheres são similares às técnicas de sedução empregadas na Rede por pedófilos. As vítimas são sempre jovens, de preferência adolescentes, que passam muito tempo na Internet e, por isso, são muito familiarizadas com todas as redes sociais: Twitter, Instagram, Facebook, YouTube, etc. Quem as recruta, no entanto, não são homens, mas um grupo de mulheres jovens, todas ocidentais procedentes de países distintos, que conhecem perfeitamente a psicologia feminina muçulmana, já que compartilham da mesma. Sua tarefa é persuadir suas compatriotas e convencê-las a abandonar o consumismo e a cultura ocidental e embarcar em uma aventura patriótica junto a um guerreiro, ou, melhor dizendo, junto a um herói.
Quem está encarregada de doutrinar as inglesas é Asaq Mahmood, ex-estudante de Medicina de Glasgow, procedente de uma família paquistanesa, radicalizada sem sair de seu quarto por meio de vídeos de propaganda islâmica. Foi uma das primeiras a abandonar sua família e a se unir às fileiras do Estado Islâmico. Fez tudo por sua própria conta, sem ajuda de nenhum recrutador, e, quando chegou à Al Raqa, se converteu de imediato na voz feminina do Califado.
Asaq é muito hábil no uso das redes sociais como ferramenta de convencimento e sedução; dependendo da psicologia de sua presa, compõe poemas nacionalistas ou divulga receitas de cozinha do Oriente Médio melhoradas com ingredientes ocidentais, como Nutella. Antes de sua fuga, tinha um blog em que contava o dia a dia de seu processo de doutrinação, um diário valiosíssimo para a luta contra o terrorismo. Ao lê-lo, não é difícil perceber que sua autora não só é uma menina inteligente que se sentia incomodada em sua própria pele, mas que possui também uma racionalidade completamente ocidental e um espírito de independência adquirido nas carteiras escolares da Escócia. Características que a levaram a buscar as respostas para seus questionamentos existenciais na Rede.
Os primeiros passos de todos os seguidores ocidentais do Estado Islâmico, mulheres e homens, acontece quase sempre no universo cibernético e são motivados pela busca por uma nova identidade, pela necessidade de dar um sentido significativo a suas vidas. A sedução do Estado Islâmico, no caso de Asaq, aconteceu pelo intelecto, a militância a transformou em uma heroína de uma aventura patriótica, o Califado, a primeira expressão autêntica concreta da utopia política muçulmana, um sonho idealista que há séculos acompanha as famílias muçulmanas e com o qual todas as gerações acabam tropeçando.
É muito provável que Asaq tenha recorrido a essa narrativa nacionalista para recrutar as três adolescentes britânicas que em fevereiro realizaram sua própria viagem para Al Raqa: Amira Abase e Shamira Begun, de 15 anos, e Kadiza Sultana, de 16.
Uma tática diferente, por outro lado, é aplicada, no caso das muçulmanas de Ceuta, por Loubna Mohamed, de 21 anos, a cabeça de uma rede de recrutamento espanhola. Loubna era uma professora de jardim de infância, que sumiu de repente para reaparecer algumas semanas mais tarde nas redes sociais. De Al Raqa, Loubna fala para adolescentes com menor nível educacional do que Amira, Shamira e Kadiza, para meninas com sonhos mais simples, para quem o casamento é o objetivo mais importante de suas vidas.
Sem que se deem conta, a sedução dessas cinderelas islâmicas, presas por sua madrasta ocidental, se produz paradoxalmente através da manipulação das ferramentas clássicas das fábulas europeias. A mulher de carreira, que enfrenta os homens nos Conselhos de Administração das grandes empresas, é uma imagem repugnante, como repugnante é a ideia de acabar sendo uma solteirona. Isso se institui claramente nas mensagens que Loubna envia de Al Raqa. E a doutrina funciona. Em Ceuta, com uma população de 85.000 habitantes, 15 famílias denunciaram o desaparecimento de adolescentes, um percentual altíssimo.
É difícil estabelecer com exatidão quantas são as mulheres ocidentais convencidas e seduzidas pelas recrutadoras do Estado Islâmico; os ingleses dizem que são cerca de 550, mas essas estatísticas só levam em conta os casos de desaparecimentos divulgados pelas famílias. Por exemplo, no Reino Unido, as meninas desaparecidas oficialmente são 20, mas suspeita-se que as famílias de outras 40 não tenham denunciado seus desaparecimentos.
Na Alemanha estima-se que 100 mulheres fugiram com destino ao Califado, algumas com maridos e filhos, mas a grande maioria sozinha. A faixa de idade mais comum é a que vai dos 16 aos 27 anos, e entra elas se encontra Fátima, desaparecida em dezembro de 2013, com apenas 17 anos, milagrosamente encontrada por seus pais na Síria.
A recrutadora das mulheres muçulmanas alemães é uma compatriota que se faz chamar Muhajira, emigrante. Em seu blog, intitulado Uma verdadeira heroína, discute simultaneamente os fundamentos do islã e de fábulas de amor com heróis jihadistas. Descreve a viagem a Al Raqa como um livro ilustrado, repleto de aventuras e descobertas.
Ultimamente, a chegada de novos recrutas masculinos –calcula-se que nos últimos 12 meses tenham chegado da Europa 6.000 jovens— tem obrigado o Estado Islâmico a acelerar o programa de recrutamento de noivas. Assim nasceram páginas na web como ask.fm, no qual futuros maridos publicam anúncios matrimoniais, o match.com jihadista. Em julho, o Estado Islâmico abriu inclusive uma agência de casamentos em Al Bab, uma aldeia na província de Alepo, e, recentemente, o califa, Al Baghdadi, ofereceu aos futuros casais uma casa e 1.200 dólares (3.500 reais) de dote.
A importância da mulher, a essa altura, vai muito além da necessidade de procriar, se convertendo em um elemento fundamental de estabilidade social. Do mesmo modo que a condição de solteirona é repulsiva para as mulheres, estar sem esposa e família é um sinal de fracasso para o guerreiro e, a julgar pelos comentários na Internet de jovens jihadistas que buscam uma mulher para se casar, também uma condição de frustração para os homens. Quem sabe, talvez a primeira autêntica crise social dentro do Estado Islâmico acabe se produzindo por causa da desproporção entre homens e mulheres em seu interior. Se o califado não for capaz de casar seus guerreiros, o sonho nacionalista pode fracassar. Uma realidade surrealista, que poderia nos ajudar, no entanto, a encontrar uma nova arma. A política de “casa e lar” não é novidade, e foi também um dos cimentos da aventura nacionalista na Europa e na América. Os novos Estados nascem das famílias que constituem os pilares de sua sociedade. Sem eles, o Estado não pode existir.

fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/28/opinion/1430247915_173682.html
foto:http://observador.pt/2015/02/05/guiao-com-recomendacoes-de-comportamentos-para-mulheres-jihadistas/

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