Campanha presidencial e parlamentar deste domingo foi feita sob intenso debate sobre Constituição do país, ainda da época de Pinochet.
A importância da votação deste domingo (17/11) no Chile não está ligada apenas à corrida presidencial, em que nove candidatos disputam a sucessão de Sebastián Piñera, com favoritismo para Michelle Bachelet. O resultado das eleições parlamentares sinalizará o quanto a nova composição do Congresso do país estará favorável a alterar a atual Constituição, colocada em vigor pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Serão eleitos hoje 120 deputados e 20 senadores (pouco mais da metade do total de 38). Dependendo do conteúdo a ser tratado nas reformas, podem ser necessários dois terços ou quatro sétimos dos votos. Tais quantidades, porém, são quase impossíveis de se obter no Chile, devido ao chamado sistema “binominal”, que rege as eleições legislativas do país.
O sistema eleitoral binominal, promulgado em 1988, durante a ditadura militar, tem sido duramente questionado nas últimas décadas. Na campanha, oito dos nove candidatos defenderam alterações no modelo e um movimento defendeu abertamente a demonstração em favor da reforma constitucional.
Sob o atual sistema eleitoral chileno, muitas vezes os candidatos são eleitos não pela votação individual, mas pela força que sua coligação tem em determinado distrito eleitoral.
Cada distrito elege dois representantes. Antes de eleger os dois ganhadores, o sistema faz um ranking das coalizões mais votadas e, depois, outorga as duas cadeiras aos que tiveram mais votos nessas duas listas. Tradicionalmente, a Nova Maioria (ex-Concertación, de centro-esquerda) e a Aliança (de direita) são as duas mais votadas, dividindo as vagas.
São raríssimos os casos de blocos políticos diferentes desses dois que consigam eleger um representante, já que os partidos pequenos têm poucos candidatos — muitos com apenas um candidato por distrito. Enquanto isso, a antiga Concertación e a Aliança têm candidatos suficientes em suas listas para obterem mais votos no total.
Dessa maneira, o sistema favorece o empate no panorama legislativo, já que quase sempre elege um representante de cada um dos dois grandes blocos políticos, o que somente não acontece quando há dobradinhas. Para que se produza uma dobradinha, é necessário que uma das coalizões tenha, entre todos os seus candidatos, mais que o dobro alcançado pela lista que ficou em segundo. Ainda que seja necessária uma vantagem muito grande para tanto, é um objetivo que a Nova Maioria — da favorita Michelle Bachelet (que se comprometeu a modificar esta e outras leis promulgadas durante a ditadura de Pinochet) — pretende realizar.
Exemplos
Existem vários casos no Chile nos quais alguns candidatos obtiveram a primeira ou a segunda maior votação, mas não foram eleitos devido a esse sistema, que dificulta as possibilidades de forças menores serem eleitas.
Um exemplo claro foi o ex-presidente Ricardo Lagos Escobar, que, em 1989, foi o segundo mais votado na eleição para senador por Santiago, mas ficou em segundo na lista da Concertación, com 30%, enquanto Andrés Zaldívar obteve 31%. Curiosamente, o segundo eleito foi Jaime Guzmán, justamente o arquiteto desse modelo eleitoral, que tinha apenas 17%, mas foi o mais votado pela Aliança. Lagos e Zaldívar juntos obtiveram 61% dos votos, o que não chegou a ser o dobro de votos de Guzmán e Miguel Otero, que somaram 32% — para obterem a dobradinha, teriam de chegar a 64%.
Quebrar o sistema
Para a eleição deste domingo, são vários os candidatos que pretendem acabar com o sistema binominal. Entre eles, muitos ex-dirigentes estudantis que estiveram à frente das mobilizações de 2011.
Um deles é o independente Francisco Figueroa, vice-presidente da Fech (Federação dos Estudantes da Universidade do Chile) na época dos grandes protestos, e que hoje aspira ao Congresso. Figueroa falou com Opera Mundi e disse que, em sua zona eleitoral, “poderia haver surpresas”.
“Nossa candidatara é muito competitiva porque conseguiu se aproximar de pessoas que nunca tinham votado, mas também gente que estava muito desiludida com a Concertación”, disse o ex-dirigente da Universidade do Chile. Como concorre sozinho, precisa de 33% para ser eleito.
São vários os casos particulares no Chile de quem tentou quebrar o sistema binominal, mas foram tentativas malsucedidas devido aos obstáculos que ele representa para os independentes e as minorias.
Os comunistas chilenos são um exemplo desses obstáculos: se candidataram à Câmara Baixa durante quatro eleições sem obter resultados positivos até o ano de 2009, quando tiveram de negociar com a “Concertación”, para obter as três cadeiras que atualmente ostentam.
Nesta eleição, devido à alta desaprovação que teve a gestão do presidente Sebastián Piñera, a Nova Maioria de Bachelet pretende fazer algumas dobradinhas, tanto no Parlamento como no Senado. Também existe a possibilidade de que ex-líderes estudantis, como Figueroa, consigam obter alguma cadeira, mas, para isso, terão de derrotar não só os seus opositores, mas também os obstáculos que o sistema binominal representa.
Reportagem de Leandro Osorio e Victor Farinelli
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!