09/08/2013

Censo chileno não entrevistou 9,3% da população


Anunciado pelo presidente Sebastián Piñera como “o melhor censo da história do Chile”, o recente processo de aferição demográfica, realizado no país em junho de 2012, terminou em escândalo. Na última terça-feira foi divulgado um relatório que indica diversas irregularidades técnicas e metodológicas no Censo de 2012. Entre elas o fato de 9,3% dos chilenos não teriam sido entrevistados.
A projeção feita pelo INE (Instituto Nacional de Estatísticas, equivalente chileno ao IBGE) era a de que o Chile teria hoje uma população de 17,4 milhões de habitantes, mas, no entanto, as investigações encontraram registros de apenas 15,8 milhões de pessoas entrevistadas. A taxa de omissão (diferença entre a população projetada e a quantidade de entrevistas realizadas pelo censo) foi a grande distorção dos dados finais do Censo 2012, segundo o relatório.


O documento indica também que em algumas cidades do interior, especialmente na região norte do país, o índice de pessoas que não foram ouvidas teria sido de 20% da população.
“Os dados apontados por este censo estão longe de refletir a realidade social do país. Portanto, não deveriam ser usados para a elaboração de políticas públicas”, afirmou David Bravo, um dos especialistas em estatística responsável pelo relatório. Elaborado por uma comissão requerida pelo Senado, que contou com cinco indicados pelo INE, o texto recomenda que se realize um novo censo em 2015, com menos perguntas, para corrigir os erros observados agora.
Manipulação e improvisação
O pedido de investigação dos dados do censo surgiu após a publicação de uma entrevista publicada em abril pelo portal Ciper Chile, dias depois do anúncio dos dados oficiais do censo, onde a assessora do INE Mariana Alcérreca denunciou que havia ocorrido manipulação. Na reportagem, ela apontou a culpa diretamente ao então diretor do INE, Francisco Labbé, responsável pelas decisões tomadas durante o processo.

Em um dos diálogos relatados pela assessora, Labbé teria dito: "nós mostramos as 15,8 milhões de entrevistas realizadas e depois vemos como somamos outras para chegar a mais ou menos 16,6 milhões”.

Além da denúncia de Alcérreca, os senadores que solicitaram a investigação também contavam com relatos de moradores de cidades do interior do país “esquecidos” pelo governo, mas que continham na porta de suas casas o adesivo do INE que dizia “casa censada”. O relatório entregue pela comissão de especialistas não fala em manipulação, mas aponta alguns números como insuficientes ou contraditórios.
Outra crítica é sobre a falta de preparação dos entrevistadores que realizaram o censo: “cerca de 27% das pessoas que fizeram essa tarefa não receberam a capacitação adequada”. Segundo o especialista David Bravo, “está claro que Labbé atuou com exagerada improvisação diante dos problemas que foi encontrando no caminho”.

Um dos problemas encontrados no caminho foi uma mudança de metodologia. A proposta inicial do INE era realizar todas as entrevistas em um só dia, contando as pessoas que dormiram em cada casa durante a última noite, modalidade conhecida no Chile como “censo de fato”. Porém, meses antes, Labbé decidiu mudar o procedimento para um método chamado “censo de direito”, que durou três meses e que priorizou o conceito de residente habitual da casa. Na época, o diretor justificou a medida culpando o Movimento Estudantil, alegando que muitos estudantes não dormiam em suas casas por estarem participando de ocupações de colégios e universidades.

Comissão europeia 
Durante a investigação, Francisco Labbé renunciou ao cargo de diretor do INE e foi substituído por Juan Eduardo Coyemans. Com o relatório em mãos, o novo diretor assumiu os erros cometidos pelo instituto durante o censo, mas afirmou que, antes de iniciar o procedimento para a realização de um novo projeto, como sugeriram os especialistas chilenos, vai apresentar o relatório à Comissão de Estatística da União Europeia.
“Não estamos colocando em dúvida as afirmações do relatório, mas, sim, queremos saber se poderia haver uma solução alternativa à recomendada pela comissão chilena, que custe menos do que ter que fazer um novo censo”, afirmou Coyemans. Segundo o INE, o censo de 2012 custou cerca de 33,4 milhões de dólares aos cofres públicos.
A mesma versão ecoou pelos corredores do Ministério de Economia (pasta a qual está subordinado o INE). Em coletiva para a imprensa, o ministro Félix de Vicente disse que “após a revisão do relatório por parte dos organismos internacionais, teremos uma maior certeza de que caminho teremos que tomar”. Sobre as falhas apresentadas, em contraste com o adjetivo usado pelo presidente Piñera quando anunciou os números, Vicente explicou que “às vezes buscamos um resultado tão bom, com tanto perfeccionismo, que acaba saindo algo não tão bom, como neste caso”.
Félix de Vicente assumiu o Ministério de Economia em maio passado, quando o então ministro Pablo Longueira deixou o cargo para concorrer como candidato do partido UDI (União Democrata Independente) nas eleições primárias dos partidos governistas. Longueira, que foi o ministro responsável pelo INE durante a realização do censo, venceu as primárias no dia 30 de junho e foi candidato presidencial durante dezessete dias, quando, em 17 de julho, abandonou a candidatura, alegando um quadro profundo de depressão.
O oficialismo será representado nas eleições de 17 de novembro por Evelyn Matthei. A oposição, liderada pela ex-presidente Michelle Machecet, é favorita para voltar ao poder. 



Reportagem de Victor Farinelli

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