Diante do perigo de superoferta no mercado brasileiro, construtoras que prometeram altos ganhos e fizeram projetos sem estudo de viabilidade adequado podem ser processadas.
Em um dos plantões de vendas em São Paulo, a promessa do corretor é atrativa: 1% de rentabilidade ao mês. Em outro plantão de vendas em Pernambuco, o anúncio é ainda mais tentador: 3% de rentabilidade ao mês. Mas só para os desavisados.
Ambos os casos se referem aos chamados condo-hotéis, como é conhecido o projeto no qual cada investidor pessoa física pode adquirir um dos quartos do empreendimento, recebendo, desta forma, o aluguel e rendimentos resultantes da operação.
Mas o cenário para o setor hoteleiro nos próximos anos não é dos melhores. Não apenas nas capitais que vão sediar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, mas também cidades do interior que vêm recebendo grandes projetos ou registrando crescimento acelerado não devem absorver todos os projetos de hotéis em construção, de acordo com consultorias e representantes do mercado.
A maioria deles são condo-hotéis, e envolvem milhares de investidores. Isso porque o setor é carente de financiamento bancário, principalmente os pequenos incorporadores. Como consequência, eles devem sofrer as consequências da superoferta e a falta de planejamento dos novos projetos no bolso. Com o excesso de oferta, a tendência é que o lucro da operação e dos aluguéis caiam, e afetem o rendimento distribuído.
Entre as causas para o cenário, estão incentivos governamentais mal planejados, a desaceleração do cenário econômico e a irresponsabilidade de incorporadores, que não realizaram estudos de viabilidade de seus projetos.
Para Caio Calfat, vice-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), o grande problema do setor hoteleiro nunca foi demanda, mas, sim, oferta. "Ou de mais, ou de menos", explica.
"Nunca trabalhamos tanto. Hoje o Brasil está coberto do Oiapoque ao Chuí, principalmente em relação a hotéis econômicos. O problema é que mais de 200 cidades no país devem receber hotéis, algumas mais de um projeto."
O problema parece estar concentrado nas pequenas construtoras. "Não é apenas um problema de sobreoferta, mas também de oferta mal vendida. Não sei como alguns lançamentos chegaram a preços de vendas anunciados nem como irão remunerar investidores".
Oferta excessiva
O caso mais emblemático é o de Belo Horizonte. Sofrendo com a falta de hotéis, em 2010 uma lei municipal permitiu que quem optasse pela construção deste tipo de empreendimento pudesse construir quatro vezes mais. Para isso, os projetos deveriam ser apresentados em prazo determinado, conta Luiz Ernesto Marino, diretor da consultoria BSH International.
"No total, foram apresentados 67 projetos, dos quais 35 saíram do papel. É o suficiente para causar problemas. Imagina se os 67 tivessem resolvido construir?", questiona. O consultor prevê demanda inferior a 40% na cidade já a partir do ano que vem, quando muitos destes projetos entrarão em operação.
Na visão de Cristiano Vasques, diretor da HotelInvest, uma oferta que deveria ser suprida pela cidade ao longo de 15 anos será atingida em três.
Em outras regiões, será possível observar as consequências da superoferta somente depois da realização dos eventos esportivos que o País irá receber, a partir de 2016. É o caso da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que também recebeu incentivos para construção, conhecidos como "Pacote Olímpico".
Isso porque, segundo Calfat, o problema é ter muitos projetos onde "não precisa". "Os maiores geradores de demanda são o centro e portos, que também estão recebendo projetos".
De acordo com estimativas da HotelInvest, existem hoje na Barra 2.800 quartos, e 5 mil em construção, lançados ou em estudo avançado, prestes a serem viabilizados. Ou seja, a oferta será triplicada até a Olimpíada.
"Isso somente seria viável com uma demanda de 30% ao ano. Mas nem a aviação em tempos de ouro conseguiu manter esta demanda por um período longo", diz Vasques.
Caminho do interior
Problemas de excesso de oferta também devem surgir em cidades do interior dos Estados, como Ribeirão Preto e Santos (SP), e Macaé e Itaboraí (RJ), que vêm recebendo grandes projetos ligados ao setor de petróleo e gás e também logística.
"São cidades que cresceram muito nos últimos anos com a estabilidade da economia, e onde, no geral, não havia hotéis ou, se havia, eram amadores, familiares. Isso chamou atenção de todos", conta Calfat.
Em algumas destas cidades, é possível encontrar hoje seis hotéis maiores. Porém, existem 15 em construção, o que torna patente a falta de planejamento na construção dos projetos.
"Se a oferta dobrasse, não haveria um grande problema. Mas o problema que a oferta vai triplicar. As obras estão começando e devem ser entregues entre 2015 e 2018", aponta Calfat.
Em Itaboraí, já é possível observar alguns reflexos do excesso de projetos. "Alguns hotéis chegam a registrar 13% de ocupação. Isso porque estimamos que a demanda, que deve ser de 33% este ano, caia para cerca de 15% a partir do ano que vem", aponta Marino.
Na cidade, será construído o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O Ibis (bandeira da rede francesa Accor) da região oferece, em seu site, diárias de R$ 89, cujo valor significa menos de 30% do que é oferecido em um hotel da rede Copacabana, por exemplo, que anuncia diárias de R$ 299.
A rede ainda se compromete a oferecer a menor taxa da região. Caso o hóspede encontre tarifa menor, reduzirá o valor da diária em 10%.
Em Santos, a BSH calcula que a demanda deve cair de 49,50% este ano para 36,8% em 2016. Em Ribeirão Preto, a baixa será de 70% para 36%, conforme os projetos entrarão em operação. Em Macaé, passará de 80% para 66% no mesmo período.
Regulamentação
Para Cristiano Vasques, diretor da HotelInvest, o problema para os investidores está no modelo de negócio dos condo hotéis no País, que é diferente do praticado no exterior, devido à carência de financiamento.
"Em outros países, o desenvolvedor fica no período de implantação do projeto e também nos anos iniciais, e só depois repassa o projeto para fundos e pessoas físicas. Tem total comprometimento com o negócio".
No Brasil, as incorporadoras fazem a compra ou permuta do terreno, elaboram o projeto, financiam a produção e realizam a venda para financiar a construção. "Quando todos os investidores quitam os pagamentos, elas não têm mais relação com o projeto", ressalta Vasques.
Com o aprendizado da bolha de flats em São Paulo, que estourou no início dos anos 2000, desta vez o Sindicato da Habitação se adiantou e lançou um manual de boas práticas para incorporadoras. "A esperança é que o pessoal siga estas regras", diz Calfat.
Uma regulamentação efetiva exigiria uma estrutura de fiscalização que o sindicato não está disposto a "bancar".
Flavia Matos, diretora executiva do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), conta que houve uma discussão entre os envolvidos nos projetos, principalmente grandes incorporadores, mas que talvez não tenha conseguido atingir toda a hotelaria independente no País.
Resta aprimorar o manual, em parceria com associações representantes do setor, como FOHB e Abih. "Iremos reforçar o ponto relativo à necessidade do incorporador contratar uma empresa de consultoria hoteleira e realizar estudo de mercado e viabilidade econômica, além de recomendar que adote uma metodologia internacional".
Na visão de Calfat, também é necessário uniformizar a contabilidade dos empreendimentos, necessária para se obter financiamento bancário. "Desta forma, será mais fácil não depender dos condo hotéis".
Grandes construtoras, como a Tecnisa, vêm optando por elaborar projetos nos quais a operadora do empreendimento tenha mais responsabilidades. É uma forma de proteger o investidor.
Mas esta responsabilidade só é dividida se o projeto for lucrativo e bem embasado. "Operadoras não entram junto quando não têm garantias de lucro. Isso porque se colocar sua marca em um cenário de superoferta, perde credibilidade", diz Flavia.
Para Vasques, da HotelInvest, o incorporador não é o único responsável pelo cenário. Na sua visão, ele também reside em uma estrutura mais proativa da associação que representa os operadores junto a prefeituras. "Onde eles estavam quando foi aprovado o projeto de Belo Horizonte? Poderiam antever isso. falta inteligência de mercado. São as 'dores do crescimento' do País".
Efeito manada
Os incorporadores se justificam apontando que, mesmo aqueles que fizeram estudos de viabilidade do projeto da forma correta, podem ser prejudicados. "Depois de optar por construir o projeto podem aparecer mais três na região. Como seguramos a manada? É cada um por si", diz Calfat.
Por outro lado, lembram que o investimento em hotéis é de longo prazo, e que o investidor deve ter consciência do risco do investimento.
Mas os investidores que se sentirem prejudicados por promessas ou informações que não refletem a realidade do mercado são hoje defendidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
"Empresas que não fizeram o estudo viabilidade ou fizeram de forma malfeita vão ter que responder por isso. E a responsabilidade é compartilhada entre rede hoteleira, incorporadora e consultoria imobiliária envolvida", diz Calfat.
Para Vasques, os "bons incorporadores" estão preocupados em entregar resultados para os investidores. "Mas a grande maioria acha que não tem problema, foge responsabilidade. Sozinho, o investidor não é capaz de analisar todas as variáveis".
Apesar do setor hoteleiro ser, naturalmente, um mercado cíclico, Vasques chama atenção para a rapidez de deterioração do cenário econômico, mas também para a rapidez com que a "manada se mexeu".
"Pareceu ser um bom investimento. As pessoas estavam com recursos em um momento de taxas de juros baixas e não tinham onde colocar. Com percepção de que os hotéis estão cheios e caros, a ideia de investir pareceu excepcional. Como consequência, o mercado foi inundado com quartos. Muitos investidores provavelmente vão ficar decepcionados com os resultados".
Para quem fez estudo de mercado, com premissas razoáveis, Vasques aponta que não há o que temer. "Faz parte do risco do investimento". Mas para incorporadores que não embasaram seus projetos, a conduta pode ser considerada temerária e até fraudulenta e, dessa forma, ser alvo de processos. "Isso vai dar muita dor de cabeça", sentencia.
Sair do investimento quando o projeto não deu certo poderá significar perda de dinheiro na certa. Caso o investidor opte por esperar a absorção da demanda, que demorou dez anos, no caso de São Paulo, poderá recompor o investimento principal. "Mas a promessa de boa rentabilidade certamente terá ficado para trás", explica Vasques.
Reportagem de Marília Almeida
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