Apesar de o Brasil estar se tornando uma fonte mais importante de dinheiro para as ONGs internacionais, representantes de ONGs ouvidos pela BBC Brasil acreditam que o perfil do brasileiro como doador está passando por mudanças, o que explicaria o fato de o país ainda doar pouco em comparação com outras nações.
A pedido da BBC Brasil, a ONG britânica Charities Aid Foundation compilou dados relacionados ao Brasil de três edições de uma pesquisa anual feita globalmente sobre o hábito de doar para a caridade, a World Giving Index ("Índice Mundial de Doações", em tradução livre) realizada em 2010, 2011 e 2012.
Nesse período, o Brasil caiu sete posições no ranking mundial de países doadores, passando da 76ª posição, em 2010, à 83ª posição no ano passado. Em primeiro lugar aparece o país mais generoso de acordo com o índice da Charities Aid Foundation, a Austrália.
A posição no ranking, de 146 países, reflete o comportamento da população em três quesitos: doação de dinheiro, de tempo (voluntariado) e ajudar estranhos de outra forma. No tocante especificamente à doação de dinheiro a ONGs, o Brasil figurava no ano passado na posição 68, quatro posições melhor do que em 2011.
A má classificação do Brasil, apesar da pequena melhora em um ano, reflete a baixa porcentagem de pessoas que dizem ter o hábito de doar dinheiro (24% em 2012). A título de comparação, no país líder em doação de dinheiro no ranking da Charities Aid Foundation de 2012, a Irlanda, 79% da população diz ter esse hábito.
Apenas levando em conta o número de pessoas que dizem doar dinheiro, o Brasil aparece melhor, na oitava posição, com 35 milhões de doadores. Trata-se de algo previsível, dada a vasta população brasileira, e outros países populosos lideram esse ranking, como a Índia (1º) e a China (4º).
'Desconfiança'
Questionados sobre o perfil do brasileiro como doador, representantes de ONGs e outros ouvidos pela BBC Brasil apontaram um processo de mudança do que chamaram de "cultura de doação".
"O brasileiro é um povo solidário", diz Flávia Tenembaum, diretora de captação de recursos do MSF Brasil. "Porém, a cultura de doação no Brasil é muito diferente da Europa e dos EUA. No Brasil, as pessoas preferem doar para pessoas ou instituições próximas. Isso lhes dá a sensação de que o dinheiro será usado da forma correta."
"Porém, com a melhoria da situação econômica e social do Brasil e da profissionalização da captação de recursos das ONGs, o comportamento do brasileiro sobre doação tem mudado bastante (...) e, acredito, tende a se aproximar cada vez mais do que vemos na Europa."
Rodrigo Alvarez, diretor do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), também destaca a necessidade de que os brasileiros possam confiar mais nas ONGs e em como usam o dinheiro doado.
"Há muito o que avançar no ranking de solidariedade, tanto na cultura de doar quanto em garantir ao doador que os recursos aplicados serão bem utilizados e terão impacto na transformação social", analisa.
Existe uma percepção de que as ONGs em geral, não apenas as internacionais, precisam melhorar seus canais de comunicação com os doadores.
"Sem o hábito de se comunicar diretamente com a sociedade brasileira para mostrar os impactos positivos de seu trabalho e mobilizar seu apoio, as ONGs brasileiras, com raras exceções, se tornam invisíveis", disse Athayde Motta, diretor executivo do Fundo Baobá para Equidade Racial, em declaração divulgada pela revista "Carta Capital" em abril.
Um sinal de que as ONGs internacionais estão tentando mudar a percepção é o fato de publicarem relatórios anuais, detalhando as atividades que desempenham. A maioria das ONGs pesquisadas pela BBC Brasil não só publicam os relatórios como também incluem neles informações detalhadas sobre suas finanças, incluindo receitas e os projetos nos quais elas são aplicadas.
Marco regulatório
Para Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil, "aos poucos se expande e consolida uma cultura de doação no Brasil", mas, para vencer a desconfiança em relação as ONGs internacionais, ainda há outro empecilho.
"A doação de pessoas físicas para entidades de defesa de direitos (...) ainda é prática relativamente recente no Brasil e que não conta com um marco legal que facilite ou estimule esse tipo de engajamento cidadão."
Estabelecido por lei de 2011, um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República analisou nos últimos meses um Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, mas priorizou discutir mais especificamente as relações entre as ONGs e o governo, incluindo o uso de recursos públicos pelas organizações.
Um anteprojeto contemplando esse aspecto já foi enviado à presidente Dilma Rousseff para análise. Outras sugestões de mudanças relativas ao Marco Regulatório, porém, ainda não foram enviadas à Presidência.
Enquanto isso, outras vozes se unem à do diretor da Anistia Internacional pedindo que as autoridades sigam o exemplo internacional no tocante às ONGs.
"Há países em que, diferentemente do Brasil, a legislação prevê incentivos fiscais para doações a todos os tipos de instituição", exemplifica Maria Estela Caparelli, assessora de comunicação do Unicef.
André Guimarães, diretor executivo da Conservação Internacional, resume assim sua opinião: "O Brasil tem poucos incentivos para empresas doarem e quase nenhum incentivo para indivíduos doarem."
"A gente faz um esforço, a gente tem pessoas que, individualmente, fazem contribuições que são importantes, mas, no conjunto, essas doações não chegam a 5% de nosso orçamento anual", diz.
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria-Geral da Presidência afirmou que há hoje diversos incentivos às doações feitas a ONGs no Brasil. Para pessoas físicas, há, por exemplo, a possibilidade de deduzir do imposto de renda doações feitas a ONGs com projetos envolvendo fundos de direitos da criança e do adolescente e do idoso, o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência, entre outros.
Mas a própria secretaria admite que a legislação é "restritiva" e que é "proposta da sociedade civil - trazida no âmbito das discussões do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil - a possibilidade de revisão (...) para permitir doações incentivadas de pessoas físicas diretamente para organizações da sociedade civil".
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