05/12/2012

Leptospirose, a epidemia emergente


A doença é infecciosa e pode ser grave. Encontrada no mundo inteiro, exceto nas regiões polares e nos desertos, é mais comum em animais e por isso é classificada como zoonose — mas pode ser transmitida a seres humanos. Definida como uma enfermidade relacionada à água, a leptospirose é considerada uma epidemia emergente no planeta pela Organização Mundial da Saúde OMS), em especial em países de clima tropical.
Até pouco tempo, acreditava-se que o perigo rondava apenas a área rural — mas os números mostram que o risco é ainda maior para a população que vive nas cidades. O motivo? Ratos. Milhões deles: só em São Paulo calcula-se que existam 15 para cada habitante. A bactéria transmissora, a leptospira, é endêmica nesses animais, que a eliminam na urina. Quando há enchentes, essa urina contaminada, presente em esgotos e bueiros, mistura-se à enxurrada e à lama, elevando o risco de contágio.
No Brasil, anualmente, são notificados mais de quatro mil casos de leptospirose — e a taxa de mortalidade é de cerca de 12%, de acordo com o Ministério da Saúde. Em 2000 foram registradas 4.128 vítimas da doença, a maior parte delas no estado de São Paulo, segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Mas o índice fatal pode ultrapassar a média e chegar a 40 mortes em cada 100 doentes.
Mais: calcula-se que apenas a décima parte dos casos é notificada corretamente aos serviços de saúde. “Na maioria das vezes, os sintomas não são tão fortes e a enfermidade pode ser confundida com uma virose ou uma gripe. Deste modo, as pessoas não procuram um médico”, revela o infectologista Stefan Cunha, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Por isso, aliás, o médico Albert Ko, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, acredita que existam mais de dez mil casos anuais no Brasil. Um número assustador se comparado ao registro de outras doenças infecciosas graves: todo ano, por exemplo, são identificados aproximadamente três mil casos de leishmaniose visceral e meningite meningocócica no país.

Por que a doença se alastra

O primeiro caso de leptospirose em seres humanos no Brasil foi notificado oficialmente em 1917 — apesar de a doença já ser conhecida desde o século XIX. Acredita-se que a bactéria leptospira chegou ao país viajando junto com os roedores dos navios ne greiros. Atualmente, ela pode estar em um alagado na Amazônia, cis ternas, tanques ou caixas d’água. E, acredite, até na água empoçada na cal çada de um bairro nobre da cidade. Basta que um rato passe por ali e deixe a bactéria em concentração suficiente para disseminar a infecção.
Outros fatores também colaboraram para alastrar a doença, como a falta de saneamento básico, de coleta de lixo adequada e de drenagem das águas pluviais. Segundo dados do Atlas de Saneamento, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), enchentes, acúmulo de sujeira e água sem tratamento estão diretamente relacionados com o aparecimento de doenças.
Não é à toa que as epidemias da leptospirose humana, como as registradas no Rio de Janeiro em 1988 e 1997, costumam acontecer no verão. Nesta época, o volume de chuvas é maior e ocorrem mais inundações. Essa é a conclusão de um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Acre, Amapá, Pará e Rio Grande do Sul são os estados com alta incidência de leptospirose, mas ela é registrada em todo o território nacional — só no município de São Paulo foram notificados 271 casos em 2005, com 46 mortes, de acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica, ligado ao Ministério da Saúde.


Como se dá a contaminação


Porcos, gado bovino, cavalos e vários animais selvagens, como a capivara, podem transmitir a leptospirose. Mas o rato de esgoto ou ratazana é o principal responsável pela infecção humana, embora os ratos de telhado e os camundongos também ofereçam risco. A leptospira multiplica-se nos rins desses roedores sem causar danos a eles e é eliminada pela urina, às vezes por toda a vida. Na maioria dos casos, a doença é transmitida para os homens por meio da urina do animal.
Em geral, seu principal foco está nos esgotos — onde vivem as ratazanas. Quando há enchentes, as águas se misturam e o agente da doença se espalha. As bactérias podem penetrar na pele por pequenos machucados — basta ter uma esfoladura ou um corte mínimo. E não é preciso enfrentar um rio de água contaminada para contrair a leptospirose. Aqueles executivos que caminham pela calçada e, sem querer, pisam em uma poça d’água contaminada pela urina de rato, também correm o risco: ficar com a meia úmida e ter algum machucado nos pés são condições sufi- cientes para que a leptospira comece a agir no organismo humano.
O contágio pode se dar também pelas mucosas da boca, nariz e olhos. Como? É só imaginar a seguinte cena: em um dia de chuva, de repente o indivíduo fica encharcado da cabeça aos pés, após a passagem de um carro veloz sobre a água acumulada no meio fio. Simples assim.
Outra forma de infecção ocorre por ingestão, uma vez que as inundações podem contaminar a água de uso doméstico e os alimentos. “A melhor forma de prevenção, portanto, é evitar o contato direto com a água e a lama decorrentes das enchentes”, alerta o infectologista Stefan Cunha.

Sintomas que confundem

Febre alta, calafrios, dores de cabeça violentas, grande sofrimento muscular, fraqueza: esses são os sinais mais comuns da leptospirose, que podem perfeitamente ser confundidos com os de uma gripe. Vermelhidão ocular, dores abdominais, icterícia, he morragia das mucosas e dos pulmões, vômitos, diarréia e erupção na pele: esses também são queixas que aparecem em quadros de leptospirose, mas são semelhantes aos da dengue. Com tanta concorrência, não é fácil diagnosticar a infecção de imediato. Um diferencial que ajuda os médicos nessa hora é o relato de dor intensa nas batatas da perna — reclamação que não aparece nas outras doenças. “Isso acontece porque a bactéria leptospira lesa o músculo e ele se rompe”, explica o especialista Stefan Cunha. Portanto, medir o aumento da CPK (uma enzima do músculo) no sangue do paciente com suspeita de leptospirose é uma forma de confirmar o diagnóstico.
Ainda não existe vacina para prevenir a enfermidade. Quanto ao tratamento, ele é feito por meio da administração de antibióticos e hidratação, mesmo em situações em que o médico ainda não tenha a confirmação laboratorial do diagnóstico. “Se o doente teve contato com enchente e apresenta sintomas, pode-se começar a intervenção medicamentosa”, avalia Stefan Cunha. O infectologista também faz um alerta para quem costuma recorrer à automedicação: como acontece em casos de dengue, o risco de hemorragia em pessoas com leptospirose é muito grande. Por isso, remédios que contenham ácido acetilsalicílico são contra-indicados.

NA LATINHA: TEM PERIGO?

Em tempos recentes, um factóide na internet alertava para o perigo de se pegar leptospirose bebendo refrigerante ou cerveja direto de uma lata contaminada por urina de rato. Notícias de ‘casos verídicos’ circularam na Espanha, na Suíça, na França, nos Estados Unidos e no Brasil. Os especialistas desmentiram essa possibilidade e uma nota do Serviço Nacional de Vigilância Epidemiológica assegurou que se tratava de boato. Leptospiras gostam de ambientes úmidos e de temperaturas elevadas, por volta de 30ºC. “Em geral, ratos passam pelos alimentos à noite e depois de algumas horas a urina na lata seca e a bactéria não sobrevive. Além disso, há o costume de se tomar essas bebidas geladas”, explica o médico Stefan Cunha.
Ou seja, para se contaminar, seria preciso beber sucos, refrigerantes ou cervejas logo depois do rato fazer xixi sobre o recipiente — e se este fosse mantido quente. “É bom lembrar, porém, que se deve sempre lavar a lata para eliminar outras bactérias, como as que causam diarréia, por exemplo”, alerta o infectologista.


DICAS PARA DIMINUIR OS RISCOS DA DOENÇA

1. O ideal é não entrar em contato com água de enchente. Quem mora em área de alagamentos deve ficar alerta para os sintomas da doença que podem aparecer de 10 a 12 dias após o contágio. Quando procurar atendimento, deve-se relatar o contato com água de enchente.

2. Proteja a água de consumo e os alimentos em recipientes fechados. Mantenha caixas d’água, ralos e vasos sanitários sempre fechados.

3. O lixo deve ser colocado em saco plástico ou latão com tampa, sempre a uma boa distância do solo. Se não houver serviço de coleta, deve-se escolher um local adequado para o destino final do lixo, que permita aterramento ou incineração periódica.

4. Quando houver suspeita de contaminação, utilize apenas água fervida ou tratada (clorada) como bebida e para a higiene pessoal.

5. Um casal de ratos é capaz de ter mais de 200 filhotes em um ano. A única forma de lutar nesse combate desigual é apostar na prevenção. Além de desratizar o local infestado é preciso eliminar lixo, mato ou grama alta e entulho, impedindo que esses animais se escondam.

6. Depois de uma enchente, a limpeza da casa deve ser feita com o uso de calçados e luvas impermeáveis. Desinfete os objetos que entraram em contato com água ou lama com água sanitária, que tem cloro (hipoclorito de sódio) — o que mata a bactéria.

7. Mantenha limpos os utensílios em que seu animal de estimação se alimenta, lavando-os depois que ele comer. Isso ajuda a evitar que os ratos apareçam.

A TRILHA URBANA DA LEPTOSPIRA

• A bactéria da leptospirose vive nos rins do rato e ali se multiplica, sem causar danos ao animal. 
• A leptospira é eliminada pela urina do rato e se multiplica na água parada, nos esgotos e na lama. 
• As bactérias na água penetram na pele por pequenos machucados, basta ter uma esfoladura ou um corte mínimo. O contágio ainda pode se dar pelas mucosas da boca, nariz e olhos. O mesmo ocorre quando se entra em contato com água de enchente. 
• 10 a 12 dias depois do contágio, a infecção mostra suas garras: febre alta, fraqueza e fortes dores de cabeça indicam que a leptospira atacou rins e fígado. Hora de procurar um médico e contar que teve contato com água que pode estar contaminada. 
• As bactérias lesam os músculos e eles se rompem, causando dores violentas, em especial nas panturrilhas (as batatas da perna). Ao romper-se, o músculo libera uma enzima, a CPK. Medir a quantidade dessa enzima no sangue do paciente é uma forma de diagnosticar a leptospirose.
• Olhos vermelhos, dores abdominais, vômitos, diarréia e erupção na pele também podem aparecer. 
• Quanto mais cedo procurar atendimento médico, maiores as chances de cura e de evitar complicações — como icterícia, hemorragia das mucosas e dos pulmões, lesões graves nos rins e no fígado, meningite, podendo levar à morte. Na fase aguda, a doença se espalha por todos os órgãos do corpo.


Reportagem de Jurema Aprile
fonte:http://revistavivasaude.uol.com.br/Edicoes/32/artigo30660-1.asp
foto: not1.xpg.com.br

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