20/11/2012

Só 11% da verba de projetos educacionais para igualdade racial foi usada


Ensino da história e cultura afro-brasileira ainda está longe das salas de aulas, apesar de lei que institui o tema nos currículos ter sido criada há 10 anos.


Perto de completar uma década, a Lei nº 10.639 quase não saiu do papel. Ela tornou o ensino de história e cultura afro-brasileira obrigatório nos currículos do ensino fundamental e do ensino médio. Isso implica tratar da história da África, a luta dos negros no Brasil e suas contribuições para o desenvolvimento do País nos diferentes níveis de ensino.
Colocá-la em prática significa não só mudar currículos para tratar o tema de diferentes maneiras nas escolas, mas formar professores para isso. As recomendações e diretrizes do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação nesse sentido são numerosas, mas as duas frentes não fazem parte da rotina nas escolas e nas universidades.
Ainda há poucos projetos sendo executados nas escolas e a formação não está nos currículos dos professores. Levantamento obtido pelo  portal iG mostra que, na maioria das universidades e institutos federais do País, disciplinas que tratam das relações étnico-raciais não são oferecidas e, quando existem, têm caráter optativo.
Em paralelo, os recursos destinados a financiar ações em escolas e universidades sobram nos cofres públicos. De acordo com o Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público, pouco mais de 11% da verba reservada para projetos educacionais que promovam a igualdade racial em 2012 foram usados até o momento.
De acordo com o relatório de novembro da Lei Orçamentária Anual (LOA), no início de 2012, o montante destinado às ações educacionais para o tema era de R$ 1,3 bilhão. Foram executados R$ 149 milhões (11,5% do total). Além desse total, outros 126 milhões foram comprometidos com as ações, mas não chegaram a ser pagos até este mês.
A maior parte desses recursos foi gasta em ações na educação básica (14,3% dos R$ 908 milhões destinados a isso). A verba se destinou às ações de capacitação e formação inicial e continuada de professores e profissionais e ao apoio das atividades em comunidades do campo, indígenas, remanescentes de quilombos e crianças com deficiência.
Nas universidades, apenas 5% do orçamento foram usados. Quase tudo dos R$ 390 milhões destinados ao ensino superior deveriam dar suporte a entidades não-federais (R$ 350 milhões) e nada foi executado. O recurso de fato aproveitado nessa etapa de ensino foi o dedicado às bolsas de permanência. Dos 39 milhões, 49% foram gastos com os programas.
A dificuldade em utilizar os recursos, no entanto, não se restringiu à área educacional. Os dados mostram também que apenas 9,56% dos R$ 1,9 bilhão destinado à igualdade racial foram gastos até novembro.
Burocracia X falta de projetos
Na opinião do técnico em gestão educacional Antonio Gomes da Costa Neto, que realizou levantamentos para verificar o cumprimento da lei 10.639 no orçamento e junto às universidades, a sobra de recursos é a prova de que a aplicação da lei engatinha. “Os recursos não são poucos, mas não estão sendo gerenciados como deveriam. As secretarias deveriam criar mais programas e os gestores, induzi-los”, afirma.
Para Ana Marques, coordenadora de Educação em Diversidade da Subsecretaria de Educação Básica do Distrito Federal, a burocracia “emperra” a utilização dos recursos. “O dinheiro está lá, mas, às vezes, ele é fictício, porque precisamos passar por caminhos muito complicados para chegar até ele”, critica.
A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação afirma que há universidades e projetos que aplicam bem os recursos. “As atribuições contidas do MEC contemplam: promover, de forma colaborativa com Estados, municípios, instituições de ensino superior e entidades, a formação de professores e a produção de material didático para atendimento da lei e criar mecanismos de supervisão, monitoramento e avaliação do plano de implementação da lei. Há experiências exitosas.”
Esforços individuais
A Lei 10.639, de janeiro de 2003, determinou que o conteúdo referente à história e à cultura afro-brasileira e africana seria assunto de todos os currículos escolares da educação básica, “especialmente” nas disciplinas de artes, literatura e história. Em 2008, a Lei 11.645 deu a mesma orientação para a temática indígena. O termo “especialmente”, no entanto, se tornou quase exclusivamente.
Na prática, coordenadores e professores contam que o conteúdo só aparece nessas disciplinas. Quando aparece. Depende de iniciativas isoladas, de professores sensíveis ao tema. Em geral, negros. “Geralmente, a iniciativa parte de um professor negro. No imaginário social, quem tem de tratar de negro é negro. A lógica não pode ser essa”, afirma Ana Marques. A coordenadora do Distrito Federal acredita que falta muito para a lei se tornar realidade nas escolas.
“A aplicação da lei não aconteceu. As universidades não cumpriram as mudanças na formação e as escolas só falam do negro no Dia da Consciência Negra”, comenta Ana Marques. A data foi instituída pela lei 10.639 e é comemorada nesta terça, 20 de novembro. Para muitos professores, Ana ressalta, não há necessidade de debater o tema. “A primeira e maior dificuldade ainda é a ideia de que temos uma democracia racial”, diz.

Reportagem de Priscilla Borges
fonte:http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2012-11-20/so-11-da-verba-de-projetos-educacionais-para-igualdade-racial-foi-usada.html
foto:marcosleite.com



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