08/11/2012

História e extinção das línguas indígenas



A dificuldade de acessar tribos escondidas nas florestas e paragens do Brasil, às vezes, torna a pesquisa científica das línguas indígenas lenta. O ritmo de catalogação e documentação é mais devagar do que o processo de extinção. 

As línguas indígenas são continuamente submetidas a um processo de extinção (ou mesmo de exterminação) desde o descobrimento do Brasil pelos europeus. Hoje há cerca de 180 línguas indígenas no Brasil, mas isto é apenas 15% das mais de mil línguas que se calcula terem existido aqui em 1500, de acordo com a pesquisadora Ana Vilacy. Essa extinção drástica de cerca de 1000 línguas em 500 anos (uma média de duas línguas por ano) não se deu apenas durante o período colonial, mas manteve-se durante o período imperial e tem-se mantido no período republicano, às vezes, em certos momentos e em certas regiões, com maior intensidade, como durante a recente colonização do noroeste de Mato Grosso e de Rondônia, nas décadas de 1950 e 1970. 

Quase todas as línguas indígenas que se falavam nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil desapareceram, assim como desapareceram quase todas as que se falavam na calha do rio Amazonas. Essa enorme perda quantitativa implica, naturalmente, uma grande perda qualitativa. Línguas com propriedades insuspeitadas desapareceram sem deixar vestígios, e provavelmente algumas famílias lingüísticas inteiras deixaram de existir. As tarefas que têm hoje os lingüistas brasileiros de documentar, analisar, comparar e tentar reconstruir a história filogenética das línguas sobreviventes é, portanto, uma tarefa urgentíssima. 

Muito conhecimento sobre as línguas e sobre as implicações de sua originalidade para o melhor entendimento da capacidade humana de produzir línguas e de comunicar-se ficará perdido para sempre com cada língua indígena que deixa de ser falada. 
Ana Vilacy revela que a preocupação com a documentação das línguas indígenas levou o Museu Goeldi, em conjunto com várias universidades da Amazônia e de fora da região a organizar uma ação combinada de preservação. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)tem também uma proposta de se fazer um inventário nacional da diversidade lingüística.
Vilacy conta que a quebra da transmissão das tradições culturais indígenas é a principal causa da extinção. Essa quebra acontece por vários fatores, como a mudança das gerações mais jovens para as vilas e cidades mais próximas e a perda de contato com sua cultura original. A pesquisadora lembra que, a iniciativa das escolas indígenas tem contribuído para garantir que as línguas continuem vivas entre as etnias. 

História das línguas indígenas
O tupi era a língua indígena mais falada no tempo do descobrimento do Brasil, em 1500. Teve sua gramática estudada pelos padres jesuítas, que a registraram. Era também chamada de língua Brasílica. O padre José de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. Em 1618, publicou-se o primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 contém o dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica. O tupi é considerado extinto hoje e deu origem a dois dialetos, considerados línguas independentes: a língua geral paulista e o nheengatú (língua geral amazônica). Esta última ainda é falada até hoje na Amazônia.

Nos primeiros tempos da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios Tupinambá (tronco Tupi) era falada sobre uma enorme extensão ao longo da costa. Já no século 16, ela passou a ser aprendida pelos portugueses, que, de início, eram minoria diante da população indígena. Aos poucos, o uso dessa língua, chamada de Brasílica, intensificou-se e generalizou-se de tal forma que passou a ser falada por quase toda a população da colônia.
Em 1758, o Marquês de Pombal proibiu o uso da língua geral para favorecer o português. Nesta época, todos os habitantes da colônia falavam a língua geral, ou tupi, que deixou fortes influências no português falado no Brasil. No vocabulário popular brasileiro ainda hoje existem muitos nomes de coisas, lugares, animais, alimentos que vêm do tupi, o que leva muita gente a pensar que "a língua dos índios é (apenas) o tupi", como explica o professor e pesquisador de tupi da Universidade de São Paulo, Eduardo Navarro. 
A língua geral amazônica ou Nheengatú desenvolveu-se no Maranhão e no Pará, a partir do Tupinambá, nos séculos 17 e 18. Até o século 19, ela foi veículo da catequese e da ação social e política portuguesa e brasileira. 
Apesar de suas muitas transformações, o Nheengatú continua sendo falado nos dias de hoje, especialmente na bacia do rio Negro (rios Uaupés e Içana). Além de ser a língua materna da população cabocla, mantém o caráter de língua de comunicação entre índios e não-índios, ou entre índios de diferentes línguas. Constitui, ainda, um instrumento de afirmação étnica dos povos que perderam suas línguas, como os Baré e os Arapaço. 

Língua original do Brasil 

A língua tupi é aglutinante (uma frase é dita em uma palavra), não possui artigos, como o Latim e não flexiona em gênero e nem em número. Um bom exemplo do tupi é: Paranapiacaba = parana+epiaca+caba, mar+ver+lugar+onde. Ou, lugar de onde se vê o mar, a vila fica a 40km de São Paulo, bem na Serra do Mar e de lá se avista a Baixada Santista.


Por causa da obra do padre Anchieta, no final do século 16, com sua Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil e do jesuíta Luís Figueira, com a A Arte da Língua Brasílica, “o tupi é a língua indígena mais bem-documentada e preservada que temos”, diz o professor Eduardo Navarro, pesquisador da matéria na Universidade de São Paulo. 
Ele afirma que o tupi é importante para se entender a cultura brasileira. “O brasileiro já nasce falando tupi, mesmo sem saber. O português falado em Portugal diferencia-se do nosso principalmente por causa das expressões em tupi que incorporamos. Essa incorporação é tão profunda que nem nos damos conta dela. Mas é isso o que faz a nossa identidade nacional. Depois do português, o tupi é a segunda língua a nomear lugares no País”. 

A lista de nomes é extensa e continua aumentando. Há milhares de expressões, como:

  • Ficar com nhenhenhém – que quer dizer falando sem parar, pois nhe’eng é falar em tupi.
  • Chorar as pitangas – pitanga é vermelho em tupi; então, a expressão significa chorar lágrimas de sangue.
  • Cair um toró – tororó é jorro d’água em tupi, daí a música popular “Eu fui no Itororó, beber água e não achei”.
  • Ir para a cucuia - significa entrar em decadência, pois cucuia é decadência em tupi.
  • Velha coroca é velha resmungona – kuruk é resmungar em tupi.
  • Socar – soc é bater com mão fechada.
  • Peteca - vem de petec que é bater com a mão aberta.
  • Cutucar - espetar é cutuc.
  • Sapecar - é chamuscar é sapec, daí sapecar e sapeca.
  • Catapora – marca de fogo, tatá em tupi é fogo.
O significado de grande parte dos nomes de lugares só se sabe com o tupi. Como nomes de bairros da cidade de São Paulo.
  • Pari é canal em que os índios pescavam,
  • Mooca é casa de parentes, 
  • Ibirapuera é árvore antiga, 
  • Jabaquara é toca dos índios fugidos, 
  • Mococa é casa de bocós – bocó é tupi.
Na fauna e flora brasileiras, o tupi aparece massivamente: tatu, tamanduá,jacaré. Até nas artes ele é encontrado – como o famoso quadro de Tarsila do Amaral, o Abaporu, que quer dizer antropófago (canibal) em tupi.

Segundo o professor Navarro, o tupi foi a língua mais falada do Brasil até o século 18 e foi a segunda língua oficial do Brasil junto com o português até o século 18. Só deixou de ser falado porque o Marquês de Pombal, em 1758, proibiu o ensino do tupi. O tupi antigo era conhecido até o século 16 como língua brasílica. No século 17, ele passou a ser chamado de língua geral, pois incorporou termos do português e das línguas africanas. Mas continuava sendo uma língua indígena, assim como é até hoje o guarani no Paraguai, falado por 95% da população. A dissolução do tupi foi rápida porque a perseguição foi muito violenta. Mesmo assim, até o século 19 ainda havia muitos falantes do tupi. Hoje, a língua geral só é falada no Amazonas, no alto Rio Negro – chama-se nhengatú e tem milhares de falantes entre os caboclos, índios e as populações ribeirinhas.
O professor Navarro conta que o nheengatú foi preservado na Amazônia porque lá a presença do Estado era mais fraca. “Na Amazônia, o português só se tornou língua dominante no final do século 19. Isso porque, em 1877, houve uma seca terrível no Nordeste, o que ocasionou a saída de 500 mil nordestinos da região, que foram para a Amazônia levando o português”. 
Apesar do tupi ser uma língua morta, é também uma língua clássica, pois foi fundamental para a formação de uma civilização, assim como o foram o latim, o sânscrito e o grego, que é uma língua clássica ainda falada. O tupi foi fundamental também para a unidade política do Brasil. Havia outras línguas indígenas que não tinham relação com o tupi, como a dos índios Guaianazes e Goitacazes. Mas eram línguas regionais. O tupi evoluiu para outras línguas além da geral. No Xingu, há línguas que vêm do tupi antigo e são faladas até hoje. 
O curso de tupi da Universidade de São Paulo (USP) foi fundado em 1935, pelo professor Plínio Airosa e é o único dessa língua em todo o Brasil. Tem duração de um ano e a procura é muito grande – em cada semestre há cerca de 200 alunos. 



Artigo de Sylvia Estrella - Jornalista formada pela Universidade de São Paulo, com especialização em jornalismo ambiental pelo The Institute for Further Education of Journalists – Fojo (Suécia). Trabalhou em diversos veículos de comunicação, empresas e organizações não-governamentais.
fonte:http://pessoas.hsw.uol.com.br/linguas-indigenas2.htm
foto:indiobrasileiro.wikispaces.com

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