A República Democrática do Congo (RDC), segundo maior país do continente africano, as crises emergenciais provocadas por conflitos armados e epidemias diversas se tornaram tão frequentes que parecem rotineiras. Segundo um ranking divulgado pelas Nações Unidas em 2011, a RDC tem o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo - consequência, em parte, da negligência dos seus governantes e da comunidade internacional. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) concentra neste país, onde atua desde 1981, o maior número de projetos: em maio de 2012, 31 ações mobilizavam cerca de 1.850 profissionais. Os tratamentos variam entre doenças como malária, cólera, aids, sarampo e doença do sono - epidemias comuns na África -, e feridas físicas e psicológicas, de vítimas dos conflitos armados. A ONG alerta que a RDC enfrenta um grave pico de violência - e pede atenção.
Desde sua independência da Bélgica, em 1960, a República Democrática do Congo se vê no meio de um fogo cruzado que parece interminável: diversos grupos étnicos disputam o poder no país, que é rico em recursos naturais. Nove países fazem fronteira com a RDC, e milícias radicais vindas de territórios vizinhos acabaram se instalando no território. "Por onde passam os grupos, há denúncias de atrocidades, e os MSF vão ao encontro daqueles que sobreviveram a ataques e precisam de atendimento", diz a organização. "Famílias inteiras se veem obrigadas a se movimentar incessantemente, para fugir dos ataques e roubos de grupos armados, deixando tudo para trás", acrescenta. O deslocamento, que há tempos é comportamento tradicional de tribos nômades, passou a ser reflexo do instinto de sobrevivência. Segundo a Anistia Internacional, ele é resultado dos confrontos entre o Exército nacional (FARDC) e grupos armados estrangeiros, de Ruanda e Uganda, por exemplo.
A possibilidade de ataques violentos e emboscadas noturnas assombra a população, principalmente nas províncias do leste do país. Em Kivu do Norte, torturas, estupros, trabalho forçado e assassinatos são parte da rotina dos civis. Os estupros em massa são usados como arma de guerra pelos grupos armados. "Geralmente acontecem quando as pessoas estão em trânsito, da aldeia para o mercado, e são paradas por homens armados que as separam em grupos - homens, mulheres, meninas. Eles roubam seus pertences e dividem as mulheres e garotas entre eles. Homens e meninos por vezes são também estuprados", conta Alice Echumbe, enfermeira e supervisora do Centro Jamaa Letu, em Baraka, no Kivu do Sul. Ela diz que também sente medo, mas que não pode deixar tais sentimentos transparecerem, para não fragilizar ainda mais os pacientes.
Mortes - O atual pico de instabilidade em Kivu do Norte e Kivu do Sul é parte de um ciclo de violência em andamento na região leste da República Democrática do Congo. Como mostram os depoimentos acima, muitas famílias se veem obrigadas a se refugiar em acampamentos, com medo de serem atacadas em suas casas durante a noite. "Mais desconcertante do que ver filas de pessoas carregando seus colchões pelas estradas é passar pelas aldeias completamente silenciosas", diz a MSF. Segundo a organização, milhares de pessoas estão vivendo com outras famílias - estranhos que dividem suas casa e comida com aqueles em fuga. Muitas outras estão escondidas nas florestas, abrigadas em lonas plásticas cobertas com folhas para não serem visíveis a distância. E a violência não se resume aos nativos: de novembro de 2011 a abril de 2012, equipes de MSF foram vítimas da violência de grupos armados 15 vezes no estado de Kivu, nas regiões Norte e Sul.
Reportagem de Cecília Araújo
fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/quando-fugimos-nao-podemos-carregar-comida-ou-roupas
foto:garotadamissionaria.blogspot.com
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