Com imagens em prédios, moradores de Ecatepec lembram que vítimas de narcotraficantes são reais, e não apenas números.
Quando os moradores da pobre cidade industrial mexicana Ecatepec olham para os morros, eles se deparam com os rostos das vítimas da criminalidade que vem afetando o país.
Enormes retratos fotográficos cobrem casas de concreto como parte de um projeto de arte comunitária que procura retratar o que se tornou uma obsessão nacional: a visualização das vítimas e, de uma maneira mais ampla, a necessidade de reafirmar a sensação de que essas pessoas são seres humanos de verdade e não apenas números ou dados factuais.
"Muitas vezes nós acabamos falando a respeito dessas vítimas como números", disse Marco Hernandez Murrieta, presidente da Fundação Murrieta, que organizou o projeto fotográfico nesse subúrbio da Cidade do México. "O que estamos tentando mostrar agora são os rostos dessas estatísticas."
Outros grupos também têm dado voz às vítimas, em vídeos realizados com atores famosos, como o mexicano Diego Luna representando o papel de um homem que perdeu seus entes queridos para a violência do narcotráfico ou para os abusos dos direitos humanos. No Twitter, contas como a @Tienennombre também exibem os nomes dos mortos, suas idades e, muitas vezes, até mesmo outros detalhes pessoais.
Esses esforços expressam mais do que mera frustração com o estado da segurança no México. Especialistas e ativistas afirmam que trata-se também de um grito de indignação contra a impunidade e a falta de transparência que deixam os mexicanos no escuro, muitas vezes incapazes de separar os culpados dos inocentes.
O projeto Ecatepec foi inspirado num artista que atua tanto na rua quanto na internet: o fotógrafo francês conhecido como JR, que coloca retratos enormes em edifícios e em espaços públicos. Alguns anos atrás, ele exibiu grandes retratos de jovens que habitavam os conjuntos habitacionais dos subúrbios de Paris. Mais tarde, no Oriente Médio, ele pendurou retratos de palestinos e israelenses lado a lado, em ambos os lados do muro que os divide. (No ano passado, JR ganhou um prêmio de US$ 100 mil do TED, grupo de tecnologia que busca propagar "ideias que valem a pena serem compartilhadas.")
O processo no México foi mais comunitário. A Fundação Murrieta deu aulas de fotografia para jovens de bairros violentos e recrutou vítimas de crimes para servirem de tema.
Cerro Gordo, o bairro escolhido por sua exposição, a princípio não queria ter nenhum tipo de envolvimento com o projeto. "Todo mundo achava que era um ato político", disse Antonio Olvera, 24 anos, um morador que ajudou a pendurar os retratos. "Mas, na verdade, é apenas arte."
Iniciativa
Um esforço similar para despertar o interesse do público neste assunto está sendo realizado pelo grupo 31K Portraits for Peace (31K Retratos para a Paz, em tradução livre) que está expondo 2 mil cartazes de mexicanos que anseiam a paz nas cidades mais violentas do país, e na obra do El Grito Más Fuerte, um coletivo de ativistas que fazem parte da indústria cinematográfica, do teatro e dos meios de comunicação do país.
O vídeo de cinco minutos que o grupo El Grito Más Fuerte produziu e publicou na internet este ano intitulado “In the Shoes of the Other” (No Lugar do Outro, em tradução livre) recebeu uma vasta cobertura dos meios de comunicação mexicanos e também chamou a atenção dentro de redes sociais como o Facebook porque incluía celebridades contando a história de Javier Sicilia, um poeta cujo filho foi assassinado no ano passado, e várias outras pessoas que também compartilharam outras histórias em comum.
Os organizadores descreveram o vídeo como sendo uma tentativa de "acompanhar as vítimas em sua dor, sua demanda por justiça e seu direito de viver em paz". Embora o grupo também tenha dito que esperava que o vídeo invertesse a tentativa do governo "em esconder o estado de emergência no qual estamos vivendo".
"Não há medidas concretas a serem tomadas", disse Gael García Bernal, estrela do filme "Amores Brutos". Pelo contrário, acrescentou, o coletivo tinha como objetivo o ato simbólico e prático de "fazer as pessoas discutirem sobre o assunto."
John M. Ackerman, professor do Instituto de Pesquisas Jurídicas da Universidade Nacional Autônoma do México, também questionou o quanto poderia ser alcançado com de um movimento de protesto desprovido de demandas específicas. "É mais parecido com uma catarse social", disse.
Limites
No projeto Ecatepec, os limites também são aparentes. Moradores locais afirmaram que os retratos têm gerado discussões e orgulho cívico. Mas muitas pessoas esperavam que a atenção atraída pelas fotos levaria o governo a efetuar melhorias em serviços necessários como o recondicionamento de estradas e o policiamento.
Três meses após a primeira imagem ter sido pendurada, isso ainda não aconteceu. A violência no bairro também não diminuiu. Os moradores dizem que ainda presenciam cerca de um tiroteio por semana.
Mas, assim como a esperança, as fotos também têm sido difícil de manter. Das 35 que foram originalmente penduradas, apenas 10 continuam no local. As outras foram destruídas por tempestades ou roubadas pelos vizinhos que utilizaram o vinil na qual são impressas para fazer telhados para suas casas. Necessidades básicas como a moradia, ao que parece, ainda prevalecem.
Reportagem de Damien Cave para o jornal The New York Times
foto:NYT
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!