02/02/2012

Médico não responde por danos em cirurgias essenciais à vida de paciente

Leia com muita atenção a notícia abaixo e depois conversamos. A questão que coloco em discussão não é especificamente a sentença abaixo, mas o quadro geral no qual está inserido o fato.




A 4ª Câmara de Direito Civil do TJ confirmou sentença da comarca de Joaçaba e isentou o médico Ricardo Reinert Marques e o Hospital e Maternidade São Miguel do pagamento de indenização a Viviane Garcia Kunzler. Após submeter-se a quatro cirurgias em 2002, inicialmente para retirada de pedra na vesícula, com complicações no pâncreas e abdome, ela ajuizou ação com pedido de indenização por danos morais, reparação estética, tratamento médico e pensão vitalícia.

Viviane apelou da sentença negativa e classificou a perícia como insatisfatória nas respostas aos quesitos. Reforçou necessitar de atendimento médico contínuo. Acrescentou que, por causa das complicações, não pode mais ter filhos e ficou com defeitos estéticos permanentes. O relator, desembargador substituto Ronaldo Moritz Martins da Silva, não acolheu os argumentos da autora, com base nos dados técnicos apresentados pela perícia - enfática ao afirmar que os procedimentos cirúrgicos foram essenciais à sobrevivência de Viviane. Ele observou a obesidade da paciente, fator agravante na ocorrência de complicações. Além disso, não há provas nos autos de que Viviane tenha ficado infértil em razão das cirurgias realizadas.

“Ressalta-se que a obesidade da recorrente foi fator preponderante para a extensão dos prejuízos estéticos, visto que as grandes placas adiposas do organismo tornam o acesso ao órgão mais complexo, a incisão cirúrgica, maior, e facilitam o desenvolvimento de hérnias incisionais. Inexiste, portanto, nexo de causalidade entre os danos estéticos sofridos pela autora e o atendimento prestado pelo médico réu, tendo em vista que as complicações experimentadas no pós-operatório e as cicatrizes no abdome são totalmente compatíveis com a gravidade da doença e o fator obesidade", concluiu Martins da Silva. (Ap. Cív. n. 2009.070374-9).(fonte:http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=77316)


Pois bem, agora reflita sobre os seguintes dados:

No Brasil não temos estatísticas precisas sobre os processos cuja finalidade é o reconhecimento de má-prática profissional (chamado erro médico) por profissionais e instituições de saúde, tendo em vista a inexistência de indexação do objeto das ações de forma padronizada, unificada e interligada no território nacional. Em 2009 o Superior Tribunal de Justiça (STJ)divulgou estatística demonstrando que os processos desta natureza quadruplicaram entre 2002 (120) e 2009 (471), considerando apenas este órgão. Realizando cálculos estatísticos por estimativa com base em dados oficiais relativos ao número total de processos no Brasil pendentes de julgamento em 2009 (69,2 milhões) e o número total de processos pendentes de julgamento no STJ em 2009 (212.446), pode-se afirmar, de forma conservadora, que estão pendentes de julgamento pelo menos 152.240 ações com acusações de má-prática profissional contra profissionais e instituições de saúde. Considerando que há 371.788 (segundo o estudo Demografia Médica no Brasil, publicado pelo CFM em 2011) médicos em atividade no Brasil, pode-se afirmar que mais de 40% do total de profissionais já tem uma ação judicial contra si, com acusação de má-prática profissional. O Institute of Medicine, realizou estudo nos EUA, que indica que os erros médicos representam a sexta causa de morte, atrás somente de doenças cardíacas, câncer, derrames e acidentes, sendo que as mortes decorrentes de erros de medicamentos (prescrições e administrações) representam a 4ª causa de mortes naquele país. Além disso, o estudo indicou a estimativa de que cerca de 100 mil pessoas morrem ao ano nos EUA em decorrência de erros médicos, custando ao sistema de saúde cerca de 29 bilhões de dólares. Outro estudo realizado por Manoel de Carvalho, publicado no Jornal de Pediatria em 2002, indica que cerca de 15% das internações em unidades de terapia intensiva neonatal sejam acompanhadas de erro médico e que aproximadamente 1 milhão de pessoas sejam atingidas em algum grau por erros médicos nos EUA anualmente. Neste mesmo estudo há indicação de que a taxa de erro na prestação de serviços médico-hospitalares é de 1%, e que embora pareça pequena esta taxa é altíssima e inaceitável quando comparada a outros setores. O autor cita exemplos catastróficos ao levar esta estatística para outros setores, representando, por exemplo, a produção de 2 aviões defeituosos por dia; extravio de 16.000 cartas por hora e desconto de 32.000 cheques por hora em bancos errados nos EUA. A probabilidade de morte decorrente de erro de medicação é três vezes maior do que a probabilidade de morte por acidente automobilístico. Os erros decorrentes de erro de medicação prolongam o tempo de internação hospitalar em dois a quatro dias e geram um custo adicional de cerca de 4.500,00 dólares por paciente. O risco do paciente sofrer alguma espécie de erro médico aumenta cerca de 6% a cada dia de internação, especialmente um unidades de terapia intensiva. Isto quer dizer que a falta de gestão na prevenção de riscos, além de ocasionar mortes e danos desnecessários aos pacientes, gera um dano à saúde econômico-financeira dos sistemas de saúde e das entidades inseridas neste setor.(fonte:http://www.topgesto.com.br/blog/medico-e-condenado-por-esquecer-ataduras-em-abdomen-de-paciente/)


Por fim, chego no que considero um dos pontos vitais do problema, a formação do médico

Começo com a questão da abertura indiscriminada de escolas médicas no país que coloca em risco a saúde de toda a população. Um problema que o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) reconhece como grave.No ano passado o CFM distribuiu a seguinte nota à imprensa:

“Convidamos o governo, o parlamento e a sociedade para um debate descontaminado de paixões, já que o valor da saúde do povo brasileiro é muito maior do que explicações simplistas”, afirmam o CFM e os 27 CRMs. De acordo com as entidades que assinam o documento, o governo – por meio de setores da gestão – e alguns especialistas insistem na simplificação do problema da desassistência no Brasil atribuindo-o a uma suposta falta de médicos.
  
No entanto, os dados do CFM mostram que não existe este déficit. Os números mais recentes apontam um contingente de 347 mil médicos no Brasil, com a previsão de formar 16 mil novos profissionais a cada ano. Contudo, os conselhos identificam na concentração de 72% desse total nos estados do Sul e Sudeste um grave problema “em decorrência da falta de políticas públicas para a interiorização da Medicina e da assistência”.
  
Os cálculos mostram que, no momento, a média nacional é de um médico por 578 habitantes, mas a má distribuição leva a distorções importantes. Por exemplo, no interior de Roraima, esta relação é de um médico por 10.306 habitantes, semelhante ao de países com baixíssimo índice de desenvolvimento humano (IDH). Na nota conjunta, a criação de uma carreira de Estado para o médico é apontada como a saída para corrigir diferenças deste tipo. Na avaliação das entidades, essa solução traz embutida oferta de honorários dignos e perspectivas de progressão funcional, além de garantir ao médico de áreas remotas condições de fazer diagnósticos e tratamentos.
  
Na nota, o CFM e os CRMs cobram ainda dos gestores públicos a adoção de outras medidas para contornar o problema, como a garantia de mais recursos para o SUS e qualificar a gestão do sistema, garantindo-lhe infraestrutura adequada ao seu funcionamento. “A abertura de novos cursos de Medicina não resolverá o caos do atendimento, ao contrário do que defendem alguns. A duplicação do número de escolas médicas - entre 2000 e 2010 - não solucionou a má distribuição dos médicos, mantendo a desassistência, inclusive nos grandes centros urbanos”, relatam as entidades.
  
Os conselhos argumentam que, neste período, foram criadas 80 escolas, sendo que boa parte delas não tem condições de funcionamento. Na nota, as entidades ressaltam que esses estabelecimentos não têm instalações adequadas, contam com ambulatórios e hospitais precários (ou inexistentes) e não oferecem conteúdo pedagógico qualificado aos estudantes. Para os Conselhos de Medicina, “o Ministério da Educação, ao não cobrar a obediência às regras que autorizam o funcionamento das escolas, colabora com a abertura de cursos de forma indiscriminada e com a formação de médicos despreparados para atender a população”.



Desta forma,deixando que os números e fatos falem por si e comprovem a gravidade da situação, lanço um questionamento para refletirmos juntos: a educação continua não sendo prioridade para os governantes, não importa quem esteja no poder, ou pelo menos a sociedade não consegue sentir mudanças profundas neste campo. Sem investimento adequado no ensino, incluindo capacitação permanente   (técnica e humana) dos educadores, espaço físico adequado, equipamentos fundamentais, incentivo ao estudo em todos os níveis e não permitindo que interesses econômicos (mesmo que pareça utópico) preponderem, não será possível nenhuma transformação. Como consequência, a profissionais sem capacitação necessária, sem nenhum interesse pelo outro (o qual continuará cobrindo com a capa da invisibilidade), sem preocupação ou envolvimento com a sociedade como um todo, continuarão sendo despejados no mercado e ninguém sairá imune.A responsabilidade é nossa e não podemos continuar de braços cruzados.  



foto:saberpensar.jimdo.com

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