05/12/2011

Estudantes estrangeiros ficam de mal com a França


A “circular Guéant” corre o risco de manchar a imagem da França. Esse texto, que data de 31 de maio e tende a limitar a possibilidade de os universitários estrangeiros permanecerem na França para trabalhar, tem criado polêmica em todo o mundo. “Sim, foi feito um estrago”, garante Pierre Tapie, presidente da Confederação de Grandes Escolas (CGE). “Esse caso causou muita comoção na Índia, no Brasil, na China, no Marrocos...”, alimentado por universitários “amargurados” por essa espécie de “decepção amorosa” sofrida em relação à França. “As equipes que saem para recrutar no exterior representando escolas francesas foram ‘assediadas’ sobre essa questão”, relata Tapie.
Vista da China, a posição da França surpreende. “Na guerra internacional dos talentos, todo país que complique a obtenção de vistos para estudantes, a possibilidade de trabalhar durante os estudos ou de viver uma primeira experiência profissional após a formatura, está dando um tiro no pé”, alerta John Quelch, reitor da China Europe International Business School (CEIBS).
O século 21 muitas vezes é apresentado supostamente como o da economia e do conhecimento. Mais do que nunca, é o saber e a inovação que criarão as riquezas. Isso explica a importância de se atrair os melhores dentre os 200 milhões de estudantes que o mundo deverá ter até 2015. “Esse tipo de política restritiva privará a Europa dos cérebros dos quais ela precisa”, teme Patrick Aebischer, presidente da Escola Politécnica Federal de Lausanne. “Grande parte do Vale do Silício depende da importação dos melhores pesquisadores, por exemplo, aqueles que vêm dos Indian Institutes of Technology e que fazem doutorado em Stanford ou em Berkeley.”
Esses estudantes, futuros pesquisadores ou empreendedores, hoje questionam as intenções da França. O ex-premiê Jean-Pierre Raffarin sentiu isso, ao visitar um Salão do Estudante em Pequim. “Estudantes chineses se reuniram e me interpelaram sobre essa questão, enquanto eu era entrevistado pelas TVs chinesas”, ele conta.
Outro lugar, mesma perplexidade. Há algumas semanas, Bernard Ramanantsoa, diretor-geral da HEC (faculdade de Administração), promovia sua escola durante um fórum realizado em Moscou, quando uma estudante o abordou: “O que o senhor acha dessa circular?”, ela disse.
No Marrocos, professores de escolas francesas escreveram ao embaixador da França, no dia 14 de outubro, para avisar sobre o “efeito desastroso produzido no Marrocos e especialmente sobre a consternação das famílias que escolheram colocar seus filhos em escolas da rede de ensino francês”.
Nabil Sebti, 25, é um deles. Marroquino formado pela HEC, ele é porta-voz do Coletivo de Estudantes Estrangeiros. Depois de entrevistá-lo, o “New York Times” constatou, no dia 9 de novembro: “O francês é sua língua materna, eles citam Sartre e Camus e estudaram em algumas das escolas mais elitistas do país. No entanto, o endurecimento das regras de imigração pela França acaba de obrigar diversos estrangeiros recém-formados a voltarem para a África do Norte, onde poucas oportunidades de trabalho os aguardam, possivelmente privando o país de uma mão de obra produtiva e altamente qualificada.”
Preocupado com a polêmica, o governo francês incumbiu os ministros de acalmarem a situação. O premiê escreveu a Pierre Tapie no dia 22 de novembro. Ele garante que os estudantes estrangeiros que obtiverem pelo menos um mestrado na França poderão permanecer para uma primeira experiência profissional sem que a situação de emprego possa ser usada contra eles. François Fillon afirma: “Nosso objetivo é atrair os melhores estudantes do mundo”.
No mesmo dia, no “Le Monde”, Claude Guéant criticava “uma apresentação inexata” da política conduzida, e garante que tudo está sendo feito para solucionar os casos que surgirem. Ele explica, no entanto, que não decidiu “assumir cinicamente a pilhagem de cérebros nos países de origem, que muitas vezes precisam formar para si uma classe de executivos.”
Política de desenvolvimento, competição internacional, forte desemprego dos jovens na França, campanha presidencial sobre a qual paira a sombra de Marine Le Pen... O governo se encontra pressionado.
Mencionando “uma política de imigração desajeitada”, o jornal “The Australian” aponta esse último aspecto em um artigo do dia 23 de novembro: “A implacável ascensão da extrema direita na Europa não é mais um assunto puramente acadêmico para as universidades de excelência francesas.” E o jornal de Sydney diz ainda: “A abordagem francesa é mais do que uma lição para a Austrália do que não se deve fazer”. No entanto, a Austrália, assim como outros países, tem enfrentado esses problemas, lembra o “New York Times” do dia 13 de outubro: “Neste ano, várias nações ocidentais, entre elas a Austrália, o Reino Unido e a Suécia, decidiram restringir o acesso a suas universidades para os estudantes estrangeiros”.
O caso da “circular” “é blá-blá-blá populista de visão curta”, se revolta William Lawton, diretor do Observatório Britânico do Ensino Superior Transnacional, “e isso reflete exatamente o que se passa no Reino Unido. Aqui também o governo acreditou que seria obrigado a anunciar uma redução da imigração durante a campanha eleitoral de 2010”. Até hoje, os universitários formados não europeus podiam ficar para trabalhar por dois anos, mas “esse direito automático acabará no ano que vem”, explica Lawton. “Deve-se frisar que esse era um dos atrativos para vir estudar aqui. A mensagem passada para o resto do mundo, portanto, tem um efeito negativo.” Por outro lado, a pesquisa americana sofreu com a era Bush.
Será que esse recuo do governo francês será o suficiente para acalmar a polêmica? Assim que foi recebida a carta de François Fillon, as grandes escolas e universidades acreditaram que ela permitia que “os mal-entendidos e as preocupações se dissipassem”. “Se ela for aplicada, a máquina vai voltar a funcionar”, acredita Tapie.
Jean-Pierre Raffarin, bastante irritado com essa “estratégia internacional absurda” que constitui uma “desglobalização”, quer acreditar que “isso pode ser corrigido”. Ele recomenda que se seja “mais sutil na comunicação. É preciso ser severo com a imigração ilegal, contanto que se aceite aquela que é legal. E os estudantes são o cerne desta última”.
Mas, na realidade, são as estatísticas sobre o número de estudantes estrangeiros que dirão se o mal será duradouro ou remediável. “A essa altura, penso que o mal ainda não foi feito na França”, acredita Della Bradshaw, jornalista do “Financial Times”, “ao contrário do Reino Unido, onde as candidaturas a MBA despencaram este ano”.
Enquanto isso, o Canadá se empolga. O país procura segurar os jovens que vêm estudar em seu território, lembra Lawton. “E o Canadá”, ele diz, “está evidentemente muito bem posicionado para receber estudantes estrangeiros francófonos que buscam um destino receptivo para realizar estudos de qualidade”. Assim, nos cursos que ele ministra no Québec, Jean-Pierre Raffarin tem muitos estudantes magrebinos. “Entre uma administração canadense receptiva e uma administração francesa um pouco fechada, eles logo fazem sua escolha”, ele explica.

Reportagem de Benoît Floc para o jornal francês Le Monde
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/12/01/estudantes-estrangeiros-ficam-de-mal-com-a-franca.jhtm
Tradução: Lana Lim
foto:g1.globo.com

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