16/10/2011

Surge um movimento pela primeira vez desde a Grande Depressão, o "Occupy Wall Street"

O movimento “Occupy Wall Street” vem assumindo proporções inéditas nos Estados Unidos. O que querem esses jovens que estão acampando nos centros financeiros das grandes cidades? Palavras de “indignados” americanos


Mas de onde eles saíram? A ideia do movimento de “ocupação” de Wall Street, que agora toma conta dos centros financeiros de várias cidades americanas, foi lançado por uma fundação chamada Adbusters (“caça-publicidade”). Criada em Vancouver, no Canadá, ela se define como uma rede anti-consumista de ativistas inovadores, que utiliza os meios de comunicação contemporâneos para combater a rajada de informações e de propagandas que, segundo ela, controla cidadãos reduzidos ao estado de simples consumidores. Eles não dizem “abobados”, mas na última página do primeiro número do jornal publicado pelos “indignados” americanos (“The Occupied Wall Street Journal”), um artigo explica o nascimento, o funcionamento e os objetivos do movimento com este título: “A ocupação explicada para os simplórios”...
Vindo de Stafford Springs, pequena cidade do Estado de Connecticut a 400 quilômetros de lá, Chris Grohs, 29, é soldador em uma micro empresa. Sua aspiração: “um sistema onde as potências financeiras não dominem tudo, onde os assalariados também tenham vez”. Citando a empresa Mondragon, uma federação de cooperativas operárias no País Basco espanhol, ele busca a palavra: sugerem a ele “cooperativa”. Sim, é isso mesmo! De repente a Espanha, ou melhor, a Puerta del Sol, em Madri, e também a ocupação da Praça Tahrir, no Cairo, que derrubou o déspota Hosni Mubarak, se tornaram referências reivindicadas como tais pelo movimento. Elas induzem à ideia de que só se pode agir fora dos contextos institucionais e estimulam o sentimento de pertencimento a um movimento “mundial”.
Na Praça da Liberdade, como os “indignados” chamam o lugar que eles ocupam, Chris Grohs administra a enfermaria improvisada. Ele serviu no Afeganistão, em 2002, e depois no Iraque, de agosto de 2003 a abril de 2004, como auxiliar de enfermagem na 82ª Divisão Aerotransportada americana. Desde então, ele é ativo entre os ex-combatentes antiguerra. “Eu tinha dúvidas quanto ao Afeganistão. Mas o Iraque? Logo entendi que era uma operação que beneficiava os interesses petroleiros e a indústria dos armamentos, pessoas que só pensam em seus próprios lucros, sem preocupação nenhuma pelas perdas humanas.” Ele é politicamente engajado? Ele olha ao redor, como se temesse estar sendo ouvido. “Sou candidato democrata ao posto de planejador urbano de minha cidade”, uma função eletiva (a eleição ocorrerá no dia 8 de novembro).
Kyle Kneitinger, um estudante de 22 anos de Buffalo, no Estado de Nova York, entende essa atitude. “As eleições locais continuam sendo as únicas onde se pode ser útil. Acima disso, não serve para mais nada. Votei em todas as eleições desde que me tornei maior de idade. Não votarei em 2012. Não tem sentido, se considerarmos a capacidade dos lobbies de obstruírem a democracia. As coisas só mudarão se as pessoas se mobilizarem.” Essa sensação de inutilidade da ação dentro daquilo que eles chamam de “o sistema” aparece como o principal elemento de ligação entre os membros.
Casado, com dois filhos pequenos, Rafael Gomez, um nova-iorquino de origem dominicana, é doutorando em estudos latino-americanos. Ele traz em sua camiseta uma grande foto de Barack Obama, cruzada por uma faixa de “proibido”. Hispânico e negro, ele votou nele três anos atrás. “Em sã consciência, não farei isso nunca mais”. Ele cita de tudo, desde a política externa (“Obama continuou com as guerras”) até a gestão da crise (“Ele ficou rodeado por gente de Wall Street”). Prisões, educação, Guantánamo, imigração: ele não perdoa nada. “As pessoas estão começando a entender que Obama não é o problema: todo nosso sistema político está em um impasse. Nossa escolha é entre o ruim e o pior.”
Kyle Kneitinger também é um dos primeiros “ocupantes” de Wall Street, desde o dia 17 de setembro: “Se eu fosse casado, hesitaria em ter filhos... para que futuro? Na minha cidade, a pobreza atingiu um nível vergonhoso! Eu trabalho por um salário mínimo para custear meu dia a dia: US$ 7,5 por hora [R$ 14]. Posso usar o seguro de saúde do meu pai, senão eu não teria nenhum. Adoro meu curso [engenharia elétrica], mas não sei se encontrarei um emprego depois. Para os jovens, ficou muito difícil.” Foi-se o tempo em que, ao sair da universidade, conseguia-se encontrar emprego. Os jovens são as primeiras vítimas do desemprego estrutural que tem se enraizado nos Estados Unidos, causando neles um sentimento inédito de abandono. Vinda de Maryland, Victoria Sobl, 21, de mãe peruana e pai russo, nascida nos Estados Unidos, concorda: “Meus pais trabalharam duro para que eu tivesse uma vida melhor que a deles. Eles queriam que eu terminasse meus estudos, mas eles entendem muito bem por que estou aqui”.
O movimento “ainda está engatinhando. Precisamos crescer, entender melhor as questões. Ele existe em mais de 60 cidades agora, nossa forma de protesto está se tornando um modelo. O básico está lá”, diz Kyle Kneitinger. “O caminho se constrói andando”, afirma Rafael Gomez. “Antes do Egito e da Espanha, teve Seattle, o movimento antiglobalização, os zapatistas. Eu acredito que até membros do Tea Party contrários ao salvamento dos bancos poderiam progredir conosco. Infelizmente, eles são financiados por grandes interesses. Mas muita gente instruída sem trabalho tem se juntado a nós.” Ele gosta desse “movimento sem líder, o mais democrático que já existiu nos Estados Unidos”. Um movimento que começa a se estruturar.
Victoria Sobl fez um pouco de contabilidade, e assim ela virou membro do “comitê de finanças”. “As doações chovem, já recebemos US$ 35 mil” Um banqueiro zombaria da soma. Os advogados do movimento trabalham sem receber honorários, enquanto ela poupa para tempos mais difíceis. O futuro? Ela mostra uma caminhonete no acostamento, onde se lê: “WikiLeaks, Top Secret Mobile Information Unit”. O futuro, ela garante, está naqueles que revelam os porões do “sistema”. Ela cita o WikiLeaks e o OpenSecrets, o site que registra a atividade dos lobistas nos Estados Unidos. “Eles estão mostrando o caminho”.
Mas que caminho, exatamente? Esses “indignados” só conhecem aquilo que seus pais viveram, a lembrança da “boa vida”, quando o poder de compra aumentava regularmente e o endividamento era suportável; e depois a queda. Seu sentimento geral é de que uma oligarquia se apoderou de seu país e do mundo. Uma casta que constrói sua riqueza sobre a indiferença aos outros e não respeita nada, sobretudo os homens. Claro, sua cultura política e sua aparente credulidade espantarão mais de um europeu acostumado com referências espontâneas à história contemporânea. Mas, uma vez passado o espanto, deve-se perguntar, como fez Edgar Morin nos anos 1970, em seu “Journal de Californie” (Ed. Seuil), o que é que dá a essa mobilização esse aspecto livre, simpático, tão disponível à palavra dos outros – enfim, mais ávido por entender do que por exprimir verdades. O que, talvez, melhor caracterize a mobilização dos “indignados” americanos é o fato de que eles não sabem bem aonde estão indo, nem como chegarão lá, e de que estão exultantes com isso.
Funcionário de uma associação de auxílio a deficientes, Jason McGaughey, 26, de Bloomington (Indiana), prevê que o movimento crescerá. “Estamos esperando por muita gente no dia 15, para o dia de mobilização internacional. Depois virá o relatório da comissão [sobre a redução do déficit público nos Estados Unidos], que anunciará os cortes profundos nos orçamentos sociais. Estamos preparando a resposta. As ideias vão surgindo no meio do caminho. Em Nova York, toda decisão em assembleia geral deve ser aprovada por 90% dos votos. Por enquanto, é útil. Neste país, a própria ideia de sociedade solidária foi destruída. É preciso reconstruir. Pela primeira vez desde a Grande Depressão [dos anos 1930] está surgindo um movimento. Quando tivermos crescido, certamente passaremos para a etapa seguinte: estruturar-nos, talvez adotar um programa. Mas ainda é cedo demais.”
Então ele tem tanto tempo assim pela frente? “Instruir as pessoas levará muito tempo.” Depois, ele pensou melhor: “Claro, podemos imaginar evoluções drásticas, países europeus que entrarão em colapso com um impacto pesadíssimo para os Estados Unidos. Os bancos farão o povo pagar por suas perdas. Isso pode ser terrível...”

Reportagem de Sylvain Cypel para o jornal francês Le Monde
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/10/05/surge-um-movimento-pela-primeira-vez-desde-a-grande-depressao-o-occupy-wall-street.jhtm
Tradução: Lana Lim
foto:diariodocentrodomundo.com.br

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