14/09/2011

Dominicanos deportam haitianos e negam cidadania aos que vivem no país

A situação caótica no Haiti já faz tempo não ocupa mais as manchetes dos veículos de comunicação do Brasil e do mundo e assim a ajuda humanitária que não deveria ter nenhuma ligação com a publicidade do tema, infelizmente também deixa de ser prioridade. Saem os holofotes, diminuem as doações e a preocupação com este povo. O que fazer para mudar este quadro que afeta não apenas o Haiti, mas outros países que também passaram por grandes tragédias?




Eles foram culpados pela cólera, por roubar os empregos e aumentar o crime, e agora, com memórias do terremoto e da amizade que ele gerou rapidamente se dispersando, este país está entrando em ação: está deportando os refugiados haitianos, recusando-os na fronteira e em geral tornando suas vidas mais difíceis.
A polícia e os militares próximos à fronteira, que procuravam pessoas de pele mais escura e sem documentação, paravam carros e ônibus e obrigavam as obrigavam a ir para o Haiti, dizem grupos de direitos humanos. Os dominicanos também estão usando uma nova lei para negar a cidadania para filhos de imigrantes ilegais e deportar pessoas que nasceram e moram aqui há anos, dizem grupos de defesa de direitos.
As deportações são um sinal da impaciência com a difícil recuperação do Haiti e com a redução da simpatia internacional com seus problemas duradouros. O Haiti e seus doadores internacionais estão bem longe de ajudar as centenas de milhares de pessoas que ainda vivem nos acampamentos improvisados e os milhões sem empregos formais, uma crise agravada por um impasse político que impediu o novo presidente do país, Michel Martelly, de formar um novo governo mais de 100 dias depois de assumir o poder.
“É uma espécie de problema sem solução”, disse Robert Maguire, acadêmico haitiano na Universidade George Washington. “A verdade é que quando os haitianos vão embora, para a República Dominicana e outros lugares, eles tendem a se dar bem ou pelo menos melhor do que no Haiti, então eles continuam deixando o país.”
Vários países ofereceram um período de graça efetivo para os migrantes e refugiados haitianos depois do terremoto de 12 de janeiro de 2010, mas isso parece estar terminando. O Escritório do Alto Comissariado da ONU para Refugiados recentemente pediu aos países para reverter uma nova onda de deportações para o Haiti porque as condições continuam precárias lá.
O Haiti “ainda não pode garantir a proteção ou o cuidado adequados especialmente para alguns grupos vulneráveis caso eles voltem”, disse a declaração.
Os deportados também vêm da Jamaica e das Bahamas, de acordo com organizações de auxílio no Haiti. Os Estados Unidos retomaram a deportação de haitianos alguns meses depois do terremoto, e funcionários de imigração dos EUA dizem que esperam deportar cerca de 700 pessoas este ano, concentrando-se nas pessoas condenadas por crimes.
Funcionários dominicanos dizem que carregaram o fardo tanto dos refugiados do terremoto quanto dos recentes migrantes econômicos, que aumentaram o fluxo permanente de pessoas do Haiti que passaram pela fronteira durante décadas para cortar cana de açúcar, colher grãos de café, trabalhar na construção civil e em outros subempregos.
Na semana passada, José Ricardo Taveras, novo diretor de imigração do país, membro de um partido político conhecido por sua linha dura em relação à imigração, criticou duramente a ONU por não conseguir desacelerar este fluxo. No mês passado, ele citou estimativas de 500 mil ou mais haitianos no país, dizendo aos jornalistas locais que “ninguém consegue resistir a uma invasão desta natureza” e que milhares de haitianos haviam sido deportados.
Logo depois do terremoto, a República Dominicana, uma nação com uma história tanto de conflito quanto de cooperação com o Haiti, é a irmã mais pobre da ilha de Hispaniola, e foi uma das primeiras a oferecer ajuda. O país enviou equipes para avaliar os danos e entregar alimentos e remédios, flexibilizou as exigências para vistos para permitir que os feridos fossem para hospitais dominicanos e abriu áreas para carregamentos de emergência.
A boa vontade foi um ponto de partida bem-recebido depois de vários pontos baixos notórios entre os vizinhos – sobretudo o massacre de milhares de haitianos pelos militares dominicanos em 1937 – e gerou expectativas de uma ligação mais estreita.
Mas a taxa de desemprego é alta aqui – de cerca de 14% no ano passado, está entre as mais altas da América Latina – e a cólera, que matou quase 6 mil pessoas no Haiti desde outubro, matou mais de 90 na República Dominicana, muitas delas eram migrantes haitianos.
Esta primavera, cartazes se espalharam por Santiago, cidade natal de Taveras, pedindo para que os haitianos fossem para casa. Protestos surgiram por conta da presença dos refugiados, e vários migrantes foram embora.
“Estamos defendendo nossa soberania porque a mão de obra dominicana foi praticamente eliminada da construção civil”, disse Juan Francisco Consuegra, líder comunitário daqui, a repórteres durante uma manifestação.
A tensão se tornou tão forte que a Organização Internacional para a Migração ofereceu uma saída: pagar US$ 50 para cada haitiano, além de ajuda para realocação, para voltarem para casa por vontade própria. Mais de 1.500 voltaram através do programa.
“Qualquer coisa é melhor do que as condições em que estamos agora”, disse Bernier Noel, que se registrou para deixar o país. O terremoto derrubou sua casa no Haiti. Agora, ele quer voltar logo.
Noel chegou aqui com amigos poucos meses depois do terremoto, depois de fiar sabendo que os empregos e o dinheiro eram abundantes. Ele mora num prédio geminado, toma banho com água infestada de insetos e colhe grãos de café num ritmo incansável sob um sol sem misericórdia por cerca de US$ 3 por dia.
Ele nunca imaginou que voltar para a devastação que viu no Haiti seria um passo adiante, mas pelo menos lá existem amigos dispostos a recebê-lo enquanto ele tenta reanimar seu negócio de venda de sapatos nas ruas.
Autoridades dominicanas disseram que fizeram mais do que podiam para atenuar a crise no Haiti. As deportações, elas insistem, têm como alvo os recém-chegados e, no caso de inúmeras crianças que foram traficadas para mendigar ou trabalhar como prostitutas, têm sido feitas com a ajuda de organizações não governamentais.
Alejandra Hernandez, ministra conselheira da Embaixada Dominicana em Washington, disse que autoridades de saúde dominicanas gastaram mais de US$ 11 milhões em ajuda emergencial no mês após o terremoto, e US$ 27 milhões em 2010. Mas os refugiados são agora um fardo econômico, diz Hernandez, usando os serviços de saúde, polícia e outros.
Sua chegada “segue um modelo há muito estabelecido de migração econômica, que durante anos colocou muitas demandas sobre a capacidade de nosso país”, disse ela, observando que na primeira metade de 2010, um sexto de todos os partos nos hospitais públicos do país eram de mães haitianas.
Para os haitianos na República Dominicana, a vida está ficando dura, e talvez seja esse o ponto.
Segundo os analistas políticos, o partido que está no governo vem tentando conseguir apoio entre os conservadores antes das eleições presidenciais do ano que vem, e a nomeação de Taveras foi vista como um passo nessa direção.
Gabriel G. Teodoro, 31, disse que perdeu seu emprego como mensageiro de uma empresa de direito porque não conseguiu renovar sua carteira de identidade nacional. Embora nascido na República Dominicana – e ignorando a língua ou a cultura haitianas – ele foi recusado pelo escritório de imigração de acordo com a nova lei porque seus pais eram imigrantes ilegais, disse Teodoro.
“Este país se beneficia com o nosso trabalho, mas estou sendo rejeitado por causa de minha herança haitiana”, disse. Ele é um entre as dezenas de casos que os defensores dos direitos humanos estão apelando.
Numa manhã recente aqui, um fluxo de migrantes haitianos saiu de seus casebres no mato para encher uma igreja onde se registraram para deixar o país por meio do programa da Organização Internacional para Migração.
Pedite François veio segurando sua filha de 14 meses no colo, Cedita.
“É difícil achar trabalho”, disse ele. “Um dia sem trabalho é um dia sem comida.”

Reportagem de Randal C. Archibold para o jornal norte-americano The New York Times
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2011/09/05/dominicanos-deportam-haitianos-e-negam-cidadania-aos-que-vivem-no-pais.jhtm
Tradução: Eloise De Vylder
foto:blogln.ning.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!