07/08/2011

França tem recorde absoluto de presos

Após os questionamentos do chefe do Estado, os juízes têm recorrido mais à prisão para os delitos menos graves.






Nunca houve tantas pessoas na prisão na França quanto no dia 1º de julho: 73.320, ou seja, 6,8% a mais do que na mesma data em 2010, o que diz bastante sobre a suposta indulgência dos juízes. Excluindo os condenados que recebem uma redução na pena, são 64.726 pessoas que estão efetivamente encarceradas, para 56.000 vagas nas prisões. O número de detentos em excesso era de 11.185 em julho – o número aumentou 14% em um ano. Com picos vertiginosos: a superpopulação na prisão de Villepinte beira os 150%, em Béthune 203,9%, em Roche-sur-Yon 222,5%, em Nouméa 254,3%...
Os funcionários das penitenciárias estão vendo o calor de agosto chegar com preocupação. Sobretudo nas casas de detenção de curta estadia, onde ficam os presos de penas breves e os que aguardam julgamento. A superpopulação ali é em média de 32%. No começo do verão, eram 427 detentos que dormiam sobre colchões no chão.
As condições de detenção, apesar de verdadeiros investimentos, muitas vezes continuam indignas. O ministro da Justiça, que no dia 28 de julho passou rapidamente pela prisão de La Talaudière, perto de Saint-Etienne, ficou consternado pela decadência do estabelecimento, pelas paredes dos banheiros pretas de mofo, apesar de uma semana de limpeza intensiva antes de sua chegada. Michel Mercier polidamente considerou o estabelecimento “pouco digno e não completamente conforme à lei penitenciária”. Ele alocou 3 milhões de euros para as obras de urgência, mas pensa se não é a prisão – que nem é tão antiga, de 1968 – que deveria ser demolida.
Em Dunkerque, o procurador da República pegou o touro pelos chifres e assinou no dia 25 de julho uma circular para os serviços de polícia, onde lhes pedia simplesmente para não encherem mais as prisões no mês de agosto. “Em razão da superlotação da prisão de Dunkerque e de outros estabelecimentos penitenciários da alçada da corte de apelação”, afirmou Philippe Muller, “queiram suspender a execução das prisões até o dia 5 de setembro”, com exceção das penas por violência sexual e agressões reincidentes contra cônjuges ou crianças.
A prisão de Dunkerque abrigava, no dia 1º de julho, 137 detentos em uma capacidade de 105 vagas; ora, a administração penitenciária previa 10 saídas em agosto para 50 entradas, sendo que a situação deveria se acalmar em setembro. O procurador tirou as conclusões disso.
O gesto era corajoso: foi a primeira vez em que um procurador assinou uma circular tão radical. Muller foi saudado em unanimidade: o Observatório Internacional das Prisões (OIP) julgou sua decisão “histórica” e convocou as promotorias a fazerem o mesmo; o sindicato dos trabalhadores carcerários comemorou essa “atitude inédita na história judiciária”; “foi uma decisão compreensível, racional e bastante corajosa”, concluiu o sindicato da magistratura. Mas o Ministério da Justiça logo recorreu à procuradoria-geral de Douai, que exigiu que seu procurador anulasse suas instruções. Muller não teve outra escolha a não ser acatar a ordem, e os presos passarão o mês de agosto dormindo em colchões.
Há anos que a reforma e a construção de novos presídios vêm absorvendo grande parte do orçamento da Justiça, sendo que a meta é atingir 70 mil vagas até 2018. Mas é pouco provável que essas novas vagas possam acabar com a superlotação, uma vez que as detenções têm aumentado com regularidade: 4.661 pessoas a mais a cada ano.
Não é a extensão das penas – 9,8 meses em média – que explica a inflação carcerária, mas sim o aumento do número de prisões. Está se prendendo mais, e por delitos menos graves. “Ao longo do primeiro trimestre de 2011,” escreve Pierre Victor Tournier, diretor de pesquisa no CNRS, “as entradas aumentaram em quase 10% em relação ao mesmo período em 2010, sendo que o crescimento da execução das penas de um a menos de três anos foi de 50%! Só podemos condenar essa evolução do chamado ‘caso de Pornic’ e de seu tratamento midiático, político e judiciário”.
O corpo mutilado da jovem Laëtitia Perrais foi encontrado em janeiro em Pornic, e Tony Meilhon, que tinha um pesado histórico criminal, foi rapidamente indiciado. Ele havia cumprido sua pena por um delito menor – desacato ao magistrado – e o serviço penitenciário de inserção e de condicional (SPIP, sigla em francês) de Nantes, já sobrecarregado, não considerou seu caso como uma prioridade. O chefe do Estado logo acusou os magistrados, desencadeando uma revolta histórica na magistratura. Os inquéritos acabaram exonerando os juízes, mas a mensagem estava dada: na dúvida, prender mais pelos menores delitos.
O ministro da Justiça também lançou em fevereiro um “plano de execução das penas”, para lidar com as 100 mil penas à espera de execução. Elas foram reduzidas para 80 mil cinco meses depois, mas contribuem matematicamente para encher as prisões. Michel Mercier está apostando bastante no monitoramento eletrônico como alternativa à detenção. Em janeiro 5.800 pessoas usavam a tornozeleira eletrônica, hoje são 8.000 e a meta é chegar a 12.000 até o fim do ano.
Mas o Ministério da Justiça tem ciência de que com a tornozeleira eletrônica, a situação seria inadministrável do ponto de vista técnico. “A tornozeleira eletrônica é uma medida de controle, e não de inserção, não há um acompanhamento social”, lembra Sarah Dindo, codiretora da OIP. “Ela não resolve nada: todos os estudos mostram que somente a liberdade condicional, junto com um acompanhamento individual, reduz a reincidência.”



Reportagem de Franck Johannès para o jornal francês Le Monde
Tradução: Lana Lim


http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/08/04/franca-tem-recorde-absoluto-de-presos.jhtm
foto:dw-world.de

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!