04/05/2011

A falta de uma ajuda adequada às vitimas infantis das catástrofes naturais




Para complementar a matéria abaixo publicamos o artigo "A falta de uma ajuda adequada às vitimas infantis das catástrofes naturais" que realizamos em 2010 para o curso de doutorado na Universidade de Buenos Aires (UBA) para a disciplina de sociologia da professora doutora Laura Lora. 

Desde o início da sua história a humanidade tem travado batalhas com a natureza. E graças a sua condição de ser racional tem conseguido sobreviver apesar da força devastadora de muitos fenômenos naturais. Terremotos, furações, enchentes e secas, entre outras manifestações da natureza têm assolado a humanidade e provocado não apenas mudanças geológicas, mas também no perfil sócio-econômico do planeta.

REBOUÇAS (2008) explica que na evolução geológica a crosta terrestre tem passado por processos de adaptações e modificações em suas características geológicas e climáticas.
Os processos de ajustamentos de nosso planeta muitas vezes causam desastres naturais, que são causados por fatores relacionados à erosão, intemperismo, sedimentação, movimento das placas tectônicas, entre outros fatores que venham causar perdas biológicas e materiais.
Para TOBIN e MONTZ (1997):

Os desastres naturais são o resultado de eventos adversos que causam grande impacto na sociedade, sendo distinguidos principalmente em função de sua origem, isto é, da natureza do fenômeno que o desencadeia. (TOBIN e MONTZ, 1997, pág. 360).

Entre estes eventos adversos, alguns são provocados pelo próprio ser humano, especialmente as catástrofes que ocorrem de forma repentina. Geralmente são conseqüências da combinação urbanização e pobreza, quando há uma ocupação inadequada e insustentável do espaço físico e dos recursos naturais.
Em 1989 a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas designou que em toda segunda quarta-feira de outubro fosse declarado Dia Internacional para a Redução das Catástrofes Naturais, com o objetivo de criar uma cultura global para diminuir a ocorrência de desastres naturais por meio da coordenação e mobilização de recursos.
No entanto, diante das perdas humanas em conseqüência das catástrofes naturais – segundo dados da ONU de 2000 a 2010 o número de pessoas afetadas subiu para 2,4 bilhões, frente 1,7 bilhão na década de 90 – e de prejuízos econômicos, na ordem de 1 trilhão de dólares na última década,  a organização decidiu ser mais incisiva. Criou este ano o primeiro plano internacional de redução de riscos de desastres. A meta é que todos os governos signatários adotem até 2015 as diretrizes, “uma espécie de guia sobre o que cada cidade, governo estadual e nacional precisa fazer para proteger as populações e alertar países vizinhos dos riscos”.
O primeiro passo é o monitoramento das áreas de risco para em seguida montar um sistema de alerta, o que permite uma remoção rápida das pessoas. O guia da ONU também prevê padrões de construção mais rigorosos para garantir que hospitais, escolas, usinas de energia elétrica e abastecimento de água não parem de funcionar mesmo durante as tragédias naturais.
Os números de fatos são alarmantes, especialmente quando segundo previsões da própria ONU o número de vítimas de fenômenos climáticos irá crescer 50% em 2015.
No Haiti, por exemplo, foram registradas 230 mil mortes em decorrência do terremoto de janeiro deste ano. E o tsunami na Ásia em 2004 matou 226 mil pessoas. A lista é interminável, mas estes dois casos já são suficientes para dar uma mostra da situação global.
Diante deste panorama surge no mundo um novo tipo de refugiado: o refugiado por questões ambientais. Pessoas que saem do seu país pelas devastações provocadas pelos desastres naturais, pela seca prolongada, erosão do solo ou ainda por acidentes industriais.
Segundo PENTINAT (2006):

Populações sempre se deslocaram devido a eventos naturais, o que é novo é o número de pessoas que estão se deslocando devido a catástrofes naturais, como ciclones e tsunamis. Outros eventos como a escassez de recursos, destruição irreversível do meio ambiente e o crescimento da população têm colaborado para aumentar o número de refugiados ambientais. (PENTINAT, 2006, pág. 86).

Os refugiados ambientais ao contrário dos imigrantes fogem de seus países para evitar a morte, por isso devem receber proteção internacional, o que não acontece com os primeiros.
O objetivo deste artigo é analisar a situação geral do refugiado por tragédias naturais, com ênfase na situação das crianças e o processo que envolve desde a partida do seu país de origem até a chegada ao país que irá abrigá-la. Incluindo os processos de adoção e o tipo de apoio que é oferecido.
Embora o asilo a refugiados seja uma prática conhecida desde a Grécia antiga. No entanto, BARRETO (2005)explica que apenas após a Revolução Francesa é que o asilo foi “consolidado como um instrumento de proteção ao indivíduo perseguido”. E ganhou força após a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, quando surge a necessidade de um sistema legal de proteção.
No entanto, o conceito de refugiado, como conhecido desde então até a atualidade, abrange os indivíduos que são perseguidos por ideologias políticas, questões raciais, religiosas, de nacionalidade ou por associação a determinados grupos. Os refugiados ambientais são obrigados a deixarem seus países, de forma temporária ou definitivamente, devido as catástrofes naturais.
O termo refugiado ambiental ganhou popularidade com a publicação em 1985 de um paper com este nome no título do professor egípcio Essan El-Hinnawi, que denominou desta forma as pessoas obrigadas a saírem de seus países por problemas ambientais.
Na definição do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)refugiados ambientais como pessoas “que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas)”.
E reconhece que ainda não existe uma lei específica internacional que promova a esta classe de refugiados uma proteção material e jurídica efetiva.
Esta ausência de proteção legal acaba criando um clima de instabilidade nos países que querem ajudar, mas não sabem exatamente o que e como fazer, encontrando resistência política e financeira internacional, além dos seus próprios ordenamentos internos que muitas vezes carecem de medidas de amparo às vítimas de catástrofes ambientais.
Por isso, para o PNUMA é imprescindível que a situação deste refugiado seja “atrelada aos direitos humanos, que têm por finalidade a proteção da pessoa humana e a defesa da sua dignidade”.
O PNUMA foi criado durante uma conferência da ONU em 1972 em Estocolmo que produziu a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano. O objetivo deste programa é monitorar o avanço dos problemas ambientais no mundo.
Este mesmo pedido foi feito em 2008 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, o ACNUR, durante uma conferência na Polônia para debater o relatório "Alterações Climáticas e Cenários de Migrações Forçadas”. O órgão “sugeriu efetiva definição de "refúgio ambiental" e de instrumentalização jurídica que regule internacionalmente a proteção, bem como os direitos dos refugiados ambientais”.
Pedido este que não foi efetivado até o momento. O ACNUR foi estabelecido em 1951 pela Assembléia da ONU para proteger os refugiados e promover soluções duradouras para os seus problemas.
O número deste grupo, uma categoria social ainda não classificada nos acordos internacionais, segundo estimativa da Universidade das Nações Unidas (UNU) será de 50 milhões de pessoas até 2010, ultrapassando – de acordo com informações do ACNUR, o número de refugiados políticas ou por outros tipos de perseguição.
Um dado que levou a UNU a afirmar que é “preciso criar mecanismos para que estes refugiados recebam proteção adequada a partir da criação de uma definição legal para o conceito de refugiado ambiental”.
Uma medida que irá permitir que estes indivíduos recebam auxílio financeiro, direito a solicitar asilo em outros países e também de participar de políticas de reassentamento. Um auxílio que deve ir além das doações materiais que são enviadas para suprir necessidades emergenciais.
Uma providência de caráter urgente, tendo em vista o Relatório de Desastres Mundiais, uma publicação anual do Comitê Internacional da Cruz e da Sociedade Crescente Vermelho, afirma que surgem “5 mil novos refugiados ambientais a cada dia, em decorrência de uma economia globalizada que ainda não encontrou soluções capazes de alinhar a utilização dos recursos naturais de forma sustentável”.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha é o membro fundador da Cruz Vermelho e do Crescente Vermelho (que atua nos países islâmicos).
Quanto aos direitos dos refugiados, estes são formados por normas internacionais que se destinam a protegê-lo e este conjunto de normas, que configura o direito humanitário, tem por objetivo proteger as pessoas e seus bens em situações de conflitos armados.  
De acordo com SOARES (2004), para garantir os direitos dos refugiados é preciso convergir para um mesmo objetivo as diferentes vertentes da proteção humana (ou seja, o direito internacional dos direitos humanos, o direito dos refugiados e o direito humanitário). O autor complementa:

Se existe uma consciência da unicidade dos valores protegidos, existe igualmente, a finalidade de poder conferir-se a estes três últimos a relativa efetividade que os direitos humanos tendem a possuir no Direito Internacional nos dias correntes. (SOARES, 2004, pág. 336).

Entre os órgãos que dão assistência aos refugiados estão os já citados neste artigo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Quanto aos instrumentos de proteção, em 1951 o Tratado de Genebra - ratificado pelo Brasil em 1960 - regulamentou a figura do refugiado.
Além deste, o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados (de1967), p Protocolo Adicional às Convenções de Genebra relativas à Proteção das Vítimas de Conflitos Armados Internacionais, de 1949 e 1977, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984), a Convenção da Organização da Unidade Africana (1969), a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados (1984 e as resoluções aprovadas pela Assembléia das Nações Unidas.
Em nenhum destes instrumentos de proteção ao refugiado é contemplada a classe de refugiado ambiental. Por isso, segundo BARROS (2010):
Considerando a importância da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados para a proteção de tais indivíduos em todo o mundo, urge o alargamento do conceito inserto em seu Artigo 1º-A (que prevê os motivos clássicos para a concessão de refúgio), com a finalidade de abranger também os “refugiados ambientais” ou “refugiados do clima”.


Com o que concorda LECKIE (2008, pág. 19), afirmando que deveria ser privilegiada a condição do Direito Internacional dos Refugiados, “alargando a convenção de 1951 por meio de um protocolo que permita aos refugiados ambientais serem protegidos pelo arcabouço político-jurídico de proteção ao refugiado já existente”.
E também DALE e KALIM (2008, pág. 39) para os quais o direito mais fundamental, o direito à vida, “persiste sendo um dever do Estado, ainda que ameaçada ou posta a termo por catástrofes naturais e que esta concepção demanda uma renovação do quadro normativo do Direito Internacional dos Refugiados”.
O jurista francês Michel Prieur vai além destes pedidos. Ele está liderando um grupo de pesquisadores que elaboraram um projeto de convenção internacional para a proteção desta categoria de refugiados. Primeiramente, Prieur defende que o nome refugiado ambiental seja alterado para “deslocado ambiental”, pois para ele é necessário criar uma expressão que inclua todos os tipos de catástrofes ambientais, desde aquelas naturais até os desastres nucleares.
 Para o jurista francês seria muito difícil introduzir uma emenda na Convenção de Genebra para assegurar os direitos às vítimas desastres naturais, por isso o ideal é a criação de um documento que garanta os direitos fundamentais deste grupo.
Foi a partir desta concepção que Prieur e outros pesquisadores criaram o “Projeto Internacional por um Estatuto de Deslocados Ambientais”. Firmado nas bases da solidariedade internacional, o projeto prevê a criação de uma comissão própria para atuar nesses casos e um fundo específico para ser utilizado.
Prieur explicou que aplica-se à convenção os direitos reconhecidos sem discriminação de qualquer espécie, como sexo, orientação sexual, raça, cor, língua, religião, opiniões, origem social, nascimento, deficiência ou idade. Entre os direitos previstos neste projeto estão os seguintes:

Direitos  
1. Direitos à informação e participação; 
2. Direito a ser resgatado; 
3. Direito à água e ajuda alimentar; 
4. Direito à moradia; 
5. Direito a cuidados; 
6. Direito à personalidade jurídica; 
7. Qualquer pessoa que se mudou para outro país deve manter os direitos civis e políticos de seu Estado de origem; 
8. Direito ao respeito pela unidade familiar; 
9. Direito à educação e formação; 
10. Direito de ganhar a vida pelo trabalho; 

Direitos dos deslocados ambientais temporários 
1. Direito a uma casa segura; 
2. Direito de reassentamento; 
3. Direito de regresso; 
4. Direito de estender sua permanência.

Já para BAUMAN (2005) é preciso começar estendendo a condição de refugiado ao refugiado ambiental, para que desta forma ele tenha o direito de buscar asilo. O autor esclarece:

Uma vez fora dos limites de seus países nativos, os fugitivos são privados do apoio de uma autoridade estatal reconhecida que poderia tomá-los sob sua proteção, reivindicar seus direitos e interceder por eles perante as potências estrangeiras. Os refugiados são destituídos de Estado, mas num novo sentido; sua condição sem Estado é alçada a um nível totalmente inédito graças à inexistência de uma autoridade estatal à qual sua cidadania pode referir-se. São (...) fora da lei. Não desta ou daquela lei, deste ou daquele país, mas da lei como tal. São proscritos e fora-da-lei de um novo tipo, produtos da globalização e principal síntese e encarnação do seu espírito de terra de fronteira. (BAUMAN, 2005, p. 96).

Esta situação é a mesma dos refugiados ambientais, que perdem seu Estado e assim seus direitos. Sem um Estado que acolha estes indivíduos e reconheça seus direitos, se tornam “fora-da-lei”.
Neste ponto é de grande relevância a denuncia feita por ISLAM (1992). Para o autor, como estes refugiados não tem um status jurídico definido esta pode ser uma razão pela qual não continuam recebendo ajuda após o fechamento dos acampamentos que são montados para atendê-los de forma emergencial. Eles não possuem uma existência legal, são apenas migrantes.
Até o momento foi abordado a questão do refugiado ambiental e ausência de uma proteção legal de seus direitos fundamentais de uma forma geral.
No entanto, esta situação que já é precária se torna ainda mais preocupante quando este grupo de refugiado é formado por crianças e adolescentes. Muitos dos quais perderam todos seus familiares e ficaram sem nenhum referencial após a ocorrência de catástrofes ambientais.
O que a comunidade tem feito por eles?
Uma pergunta que leva a uma resposta imediata: são encaminhados para adoção. Pelo menos é o processo mais noticiado pela mídia após as tragédias. Assim como foi recentemente no caso do Haiti, quando um terremoto em janeiro deste ano devastou o país e matou mais de 200 mil pessoas.
Uma tragédia que acentuou ainda mais uma situação que já era caótica. Calcula-se que antes do terremoto o Haiti tinha quase 400 mil órfãos e quase 48/% da população com idade inferior a 18 anos.
Como o Haiti não é signatário da Convenção de Haia, que regulamenta e padroniza o processo de adoção internacional, para adotar um órfão deste país é preciso entrar em contato com a embaixada e seguir as normas exigidas.
No entanto, a subsecretária para Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Presidência da República e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, Carmen Oliveira faz um alerta:
“A adoção internacional não deve ocorrer em situações de instabilidade como guerras, calamidades e desastres naturais, por não ser possível verificar o histórico pessoal e familiar da criança que se pretende colocar em adoção”.
A Convenção relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (adotada pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado em 1993 e que entrou em vigor em 1995) em ser artigo 1º dispõe sobre o seu objetivo:

a) estabelecer garantias para assegurar que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e no respeito dos seus direitos fundamentais, nos termos do direito internacional;
b) estabelecer um sistema de cooperação entre os Estados contratantes que assegure o respeito dessas garantias, prevenindo assim o rapto, a venda ou o tráfico de crianças;
c) assegurar o reconhecimento, nos Estados contratantes, das adoções realizadas de acordo com a Convenção.

O que nem sempre acontece. E, além disso, a situação descrita pelo padre Regino Martinez, que dirige uma ONG (Organização Não-Governamental) no Haiti, ilustra muito bem a situação de perigo que ficam expostas as crianças vítimas das tragédias ambientais. O religioso relata:
O tráfico de crianças haitianas aumentou desde o tremor de terra, muitas delas atravessam o rio Massacre a nado e adultos as apanham em motocicletas. Os militares fecham os olhos. Os traficantes aproveitam a confusão dos dias de mercado, quando um grande número de haitianos atravessa a fronteira para comprar e vender. Vemos muitos homens e mulheres transportando crianças em motonetas”.

As crianças que são vítimas de tragédias naturais em seus países de origem também enfrentam outros problemas muito sérios. De acordo com a avaliação de especialistas estão propensas a transtornos mentais graves.
Um estudo realizado por profissionais de saúde mental e pesquisadores de diversas universidades dos Estados Unidos com crianças vítimas de desastres naturais – especificamente o furacão Katrina em 2005 – e publicado no Journal of the American Academy of Chil and Adolescent Psychiatry,  indicou a prevalência de cerca de 15% dos transtornos emocionais e de comportamento entre as vítimas do Katrina. Desse total, 10% desenvolveram os transtornos relacionados diretamente com situações vividas durante o desastre natural.
De acordo com um dos pesquisadores, o professor Russell Jones, “mais de 20% dos jovens e crianças que foram expostos a um altíssimo nível de estresse durante o desastre apresentaram os transtornos citados e que prosseguiram por mais de dois anos após a tragédia”.
A Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento das Crianças nos Anos 90, oriunda do Encontro Mundial de Cúpula pela Criança realizada em Nova York em 1990 pela Organização das Nações Unidas em seu item sobre os compromissos afirma:

7 - Trabalharemos para melhorar as condições de vida de milhões de crianças que vivem em circunstâncias particularmente difíceis: as vítimas do "apartheid" e da ocupação estrangeira; os órfãos e os meninos e meninas de rua, e os filhos de trabalhadores migrantes; as crianças refugiadas e as vítimas de desastres naturais e provocados pelo homem; as deficientes e as maltratadas; as socialmente marginalizadas e as exploradas. As crianças refugiadas precisam ser auxiliadas para que encontrem novas raízes. Trabalharemos pela proteção especial às crianças trabalhadoras, e pela abolição do trabalho infantil ilegal. Daremos o melhor de nós mesmos para garantir que a criança não se torne vítima do flagelo das drogas ilícitas.

Ou seja, mesmo não contando com respaldos legais específicos que garantam a proteção do refugiado ambiental, determinados documentos, como a declaração citada acima, faz menção a necessidade de assegurar a proteção deste refugiado quando se trata de uma criança.
E embora conte com outras declarações que disponham sobre seus direitos, o que acontece na realidade é que milhões de crianças no mundo são vítimas de exploração e discriminação sem que a Comunidade Internacional tome alguma providência efetiva.
Especificamente quando as crianças e adolescentes vítimas de catástrofes naturais é inegável que muitas delas são comercializadas por integrantes de quadrilhas internacionais e obrigadas a trabalhar em regime de semi-escravidão ou a se prostituirem. Também não é possível negar que a maioria delas está sujeita a maus tratos e ficam sem acesso à escola ou aos cuidados básicos de saúde, além da total desintegração familiar e social.
Passados os primeiros meses após a tragédia, quando o mundo inteiro se sensibiliza diante dos acontecimentos trágicos e as ajudas humanitárias (materiais) são enviadas, as crianças são excluídas de qualquer programa de proteção e deixam de fazer parte das estatísticas oficiais.
As crianças refugiadas enfrentam muitos riscos neste processo. Separadas de suas famílias, passam a viver em condições precárias tanto materialmente como emocionalmente, colocando em risco sua saúde física e psicológica.
Além disso, muitas perdem seus documentos (em conseqüência da tragédia ou durante o deslocamento), o que comprometendo o seu direito a ter uma identidade. Fragilizadas, elas são presas fáceis da exploração e de abusos sexuais.
Diante deste quadro desalentador, o que objetiva neste artigo é chamar a atenção para urgência de providências emergenciais e efetivas que assegurem, primeiramente, uma proteção legal ao refugiado ambiental. Que esta classe de refugiado seja contemplada com uma legislação internacional especifica visando assegurar a garantia de seus direitos fundamentais e a sua proteção pela comunidade internacional.
Também é urgente que sejam tomadas todas as medidas necessárias, incluindo a fiscalização efetiva do seu cumprimento, para garantir a segurança (material e psicológica) das crianças que são vítimas de catástrofes ambientais. O que inclui um sério e continuo acompanhamento do processo de adoção imediatamente após as tragédias – geralmente quando ocorrem as ações de pessoas com más intenções -, e prosseguindo após este período para assegurar que as crianças estão sendo bem tratadas e recebendo atendimento médico, psicológico e freqüentando as escolas.
Na verdade, a adoção nestes momentos não é o procedimento mais adequado, porque significa outra ruptura para a criança, a cultura, que já perdeu grande parte dos seus vínculos nestes acontecimentos.
Na verdade, o cuidado com a criança, um ser humano, deve estar previsto no movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que segundo PIOVESAN (2006)é baseado na concepção de que toda a nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar se um Estado não cumprir suas obrigações.
Cuidar das crianças vítimas das tragédias é uma obrigação internacional que não pode ser negligenciada sob qualquer circunstância nem sob qualquer desculpa. E cabe aos países fiscalizarem mutuamente o cumprimento desta obrigação a fim de garantir a sua efetividade e assim não acentuar ainda mais os prejuízos destas crianças, os quais poderão ser sentidos por toda a sua vida.
Pois, como afirma TRINDADE (2000 )não existem desculpas:

Os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos vieram a mostrar-se dotados, no plano substantivo, de fundamentos e princípios básicos próprios, assim como de um conjunto de normas a requerer uma interpretação e aplicação de modo a lograr a realização do objeto e propósito dos instrumentos de proteção. E, no plano operacional, passaram a contar com uma série de mecanismos próprios de supervisão. Esse corpus júris em expansão veio enfim a configurar-se, ao final de cinco décadas, como uma nova disciplina da ciência jurídica contemporânea, dotada de autonomia, o Direito Internacional dos Direitos Humanos. (TRINDADE, 2000, pág. 23).

O que significa que instrumentos existem e que embora possam e devam sem ampliados para atender aos refugiados ambientais que de acordo com estatísticas divulgadas pela Organização das Nações Unidas está em crescimento constante no mundo, com eles já é possível efetivar muitas ações de extrema importância para aqueles que estão vivenciando as tragédias naturais em seus países.
O que é inaceitável é que estes refugiados e principalmente as crianças continuem a mercê da sua própria sorte e ação de grupos que atuam justamente nestes momentos de desespero e fragilidade, aproveitando-se da confusão reinante e da falta de organização e ações efetivas daqueles que deveriam ser os guardiães da segurança e da vida infantil no planeta.


BIBLIOGRAFIA


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imagem:www1.folha.uol.com.br

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