17/01/2010

Apontamentos sobre Ética, Dignidade e Moral - parte II


Algumas concepções filosóficas da dignidade humana

Kant: a autonomia como fundamento da dignidade 


Para Immanuel Kant, o fundamento da dignidade humana repousa na autonomia do ser humano, a condição de ser racional. Quanto ao significado dessa autonomia da vontade, sob a perspectiva kantiana, deve ser entendida como “faculdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representação de certas leis”, capacidade esta encontrada apenas nos seres racionais.
Neste contexto é que se destaca o imperativo da ética kantiana, isso como critério norteador dos seres racionais, que é o seguinte: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” ou dito de outra forma: “Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”.
Interessante notar que, a partir do critério racionalidade, o autor refere-se aos seres irracionais como coisas às quais confere um valor relativo, como meios, enquanto, por outro lado, refere-se aos seres racionais como pessoas, impregnadas de dignidade, notadamente “porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo arbítrio (e é um objeto de respeito)”.
O homem como fim em si mesmo e jamais mero meio
Sob os referenciais anteriormente mencionados, Kant afirma que o homem (e de uma maneira geral todo ser racional) “existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”. No plano prático, o agir humano, seja em relação a si próprio, seja em relação aos outros, tem como parâmetro norteador a idéia de humanidade simultaneamente como fim e jamais como simples meio. Eis o imperativo prático kantiano: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”.
Sobre a formulação do homem como fim em si mesmo merece relevo a seguinte questão: o que significa tratar a pessoa simultaneamente como fim e o que significaria trata-la como mero meio?
Parte-se de alguns exemplos para ilustrar a questão: tratar o outro como simples meio significa manipular o outro, ou seja, o outro não pode consentir ou dito de outra forma, significa impedir o consentimento do outro, já que não fica aberta uma porta para o reconhecimento do ato (é o caso da falsa promessa). O ponto distintivo é que se admite a possibilidade de usar o outro como meio, desde que ele possa dar seu consentimento, a exemplo do carteiro que leva a carta ao seu destino: não nos valemos dele “simplesmente” como meio (o carteiro não somente conhece a sua função como também consente com a nossa intenção). Conclui-se que “tratar, portanto, alguém como fim significa colocar a humanidade no desenvolvimento da ação como fim. Há um conteúdo formal a priori que é a humanidade.”
Para sintetizar é necessário tecer uma consideração acerca da concepção kantiana de dignidade: esta dimensão é ontológica porque atrelada “à concepção da dignidade como uma qualidade intrínseca da pessoa humana”, cujo núcleo está na vontade autônoma e no direito de autodeterminação que a pessoa, abstratamente considerada, tem. Significa, então, a capacidade que o homem tem de pensar uma ação e, a partir da sua vontade autônoma, outorgar-se a sua própria lei.
Por derradeiro, e que me pese as criticas a concepção de dignidade (especialmente no sentido da dependência somente do critério da racionalidade e da autofinalidade, configurando, quem sabe, uma deficiente proteção justamente daqueles mais carecedores da mesma, a exemplo dos deficientes mentais), destaque-se que o legado kantiano de dignidade está “no sentido de que a dignidade da pessoa humana, esta (pessoa) considerada como fim e não mero meio, repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano.”
Para além do relevante aporte kantiano, é preciso investigar caminhos diversos, ampliando os horizontes da investigação para outros aportes filosóficos igualmente essenciais, especialmente no que diz respeito a  proteção e promoção jurídica da dignidade humana. Neste contexto, urge examinar uma perspectiva distinta: aquela que não partiu de qualidades intrínsecas da própria pessoa, mas sim da concepção de reconhecimento, via mediação de vontades notadamente no âmbito das instituições sociais.
Uma das notas distintivas de Hegel, como será examinado na terceira parte deste artigo, foi a de analisar o papel das instituições sociais na formatação do tecido social, concretizando a idéias de liberdade a partir de um elo indissociável entre o individual (o particular) e o social (o coletivo), de uma esfera mais abstrata (“moralidade subjetiva”), rumo a uma esfera mais concreta e da eticidade (“moralidade objetiva”).


imagem de Kant: gustavus.edu

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