09/08/2012

Condenação de mulher a trabalhos forçados reacende debate sobre esse tipo de punição na China


Até o oficialíssimo “Diário do Povo”, órgão do Partido Comunista Chinês (PCC), se indignou. A pena de um ano e meio de reeducação pelo trabalho infligida a uma mãe de família, descontente com a sentença dada àqueles que haviam estuprado e forçado sua filha à prostituição, levantou uma onda de protestos na China, tanto na mídia oficial quanto nas redes sociais. E reacendeu o debate sobre o fim dessa pena administrativa que data de 1957 e foi herdada do “irmão mais velho” soviético.
Desde outubro de 2006, data do sequestro de sua filha, na época com 11 anos, Tang Hui, uma moradora de Yongzhou, cidade de porte médio com 5,1 milhões de habitantes na província meridional do Hunan, não sossegou até conseguir justiça. Diante da indiferença das autoridades locais, ela realizou sua própria investigação. Um dos responsáveis pelo inquérito tinha ligações com o dono do bordel onde sua filha estava sequestrada. Apesar de tudo, ela acabou mobilizando a Justiça.
No total, sete pessoas foram julgadas: dois foram condenados à morte e os demais receberam penas de prisão. Em março de 2011 foi aberto o julgamento em apelação diante do Supremo Tribunal da província do Hunan. Mas Tang Hui lamenta que o tribunal tenha cuidadosamente evitado colocar em evidência as proteções usufruídas pelo dono do bordel. E ela acredita que todos deveriam ser condenados à morte. Para ser ouvida durante o julgamento, que terminou em junho, ela conduziu operações drásticas em diferentes sedes do governo, gritando, chorando, pedindo por justiça de joelhos.
Assim, ela não hesitou em ocupar durante quinze dias um ponto de recepção do público para registro de queixas no tribunal intermediário de Yongzhou, ou em deitar diante dos carros de autoridades locais. A polícia resolveu dar um basta e a punição veio na última quinta-feira (2): um ano e meio de “laojiao”, a “reeducação pelo trabalho”. Essa pena de internamento é decidida de maneira administrativa sem que seja necessário passar diante de um juiz. Utilizada para pequenos delitos, como o uso de drogas ou a perturbação da ordem pública, e podendo chegar a até quatro anos de privação de liberdade, ela também serve para reprimir os dissidentes, permitindo afastar os encrenqueiros.
Mas a divulgação nas redes sociais da história de Tang Hui causou comoção. Milhões de comentários condenaram a decisão da polícia de Yongzhou.  O comunicado oficial desta última, divulgado através do Weibo, o equivalente ao Twitter na China, só atiçou a fúria da blogosfera: “A conduta de Tang Hui perturbou gravemente a organização das unidades de trabalho e a ordem social, provocando uma influência extremamente ruim sobre a sociedade”.
No domingo (5) à noite, também pelo Weibo, o “Diário do Povo” pela primeira vez atraiu elogios dos internautas ao defender a mãe, criticando a declaração de um alto funcionário que acabava de afirmar que o regime havia realizado “62%” de sua meta de uma China forte e em pleno “renascimento”: “Diante dessa informação, da mãe de uma jovem estuprada no Hunan em Yongzhou, esse número parece bem banal. A força de um país não é necessariamente o PIB e as medalhas de ouro olímpicas. Para esse índice complexo, é preciso incluir os direitos e a dignidade do povo, a equidade social e a justiça. Façamos esforços. Boa noite”.
Os dois advogados de Tang Hui, que relatam seus passos diariamente em suas contas de microblogs, submeteram na segunda-feira (6) um pedido de revisão. No mesmo dia, a comissão jurídica e política da província do Hunan por fim anunciou a abertura de uma investigação e prometeu corrigir, caso seja necessário, os “erros”.
Mas a questão vai bem além do caso pessoal de Tang Hui. Ela reativou os apelos a favor da abolição do “laojiao”, uma anomalia para muitos criminalistas chineses. “No caso Tang Hui, não se deve olhar somente a barbárie dos órgãos de manutenção da lei (...), é preciso sobretudo olhar a crueldade e a obscuridade do sistema de reeducação pelo trabalho”, afirmou o escritor Murong Xuecun. “Nos últimos 45 anos, milhões de pessoas sofreram com ele e amanhã ele continuará trazendo sofrimento e dor”, ele acrescentou.
Em 2007, os deputados chineses haviam reformado o sistema para transformar os campos em “centros de correção”, sem, no entanto, chegar a aboli-lo. Para o “Global Times”, “esse debate é mais um teste para a governança da sociedade chinesa”, especialmente em nível local, onde às vezes essas autoridades se sentem acima das leis.
No entanto, “a última leva de reformas da legislação criminal praticamente ignorou o assunto”, ressalta Stéphanie Balme, pesquisadora da Sciences Po e especialista em direito chinês. O “laojiao”, ela diz, “continua sendo um meio repressivo de conservação da paz social redefinido de acordo com o contexto político”. E com a aproximação do importante congresso do PCC no próximo outono, o momento é de “weiwen” (“preservação da estabilidade”) em todos os níveis.

Reportagem de François Bougon
Tradutor: Lana Lim

foto:abola.pt

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