14/03/2017

Em rara sintonia, nomes do PT e PSDB querem criar ‘escalas de caixa 2’


Nos últimos dias tentativas de tornar mais palatáveis perante a Justiça as doações não declaradas de campanha, conhecidas como caixa 2, voltaram à pauta em Brasília. A questão é central não apenas para a classe política, que pode se ver encurralada por processos jurídicos, mas também para o futuro da Operação Lava Jato: parte das denúncias feitas pelo Ministério Público Federal se apoia justamente no pedido de punição para essa modalidade de doação. Parlamentares e políticos, de amplo espectro político, incluindo os inimigos PSDB e PT, começaram a lançar sobre o caixa 2 alguns tons de cinza, inserindo no debate subtipos de doação não declarada, dependendo da origem e destino do dinheiro. Nesta segunda-feira, depoimento de Emílio Odebrecht, patriarca do conglomerado que leva seu nome, dado ao juiz Sérgio Moro, corroborou a ideia de que é uma prática antiga e disseminada:  "Sempre existiu (...) desde a minha época, da época do meu pai [Norberto, fundador do grupo] e também de Marcelo [filho de Emilio]".
Embora o crime de caixa 2 não esteja tipificado no ordenamento jurídico brasileiro, políticos que não declaram doações à Justiça Eleitoral podem ser processados pelos crimes de falsidade ideológica, lavagem de dinheiro com finalidades políticas, corrupção passiva e até mesmo estelionato, daí as declarações se multiplicarem em uma corrida contra o tempo para tentar se não anistiar, ao menos delimitar, os estragos esperados pelos inquéritos da Lava Jato.
“Há uma movimentação constrangida” nesse sentido, afirmou nesta segunda-feira o senador Álvaro Dias, que se desligou recentemente do PSDB. Já o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, afirmou que é preciso "examinar a origem do recurso". "Havendo prova de que houve ato de corrupção de agente público e que isso resultou em doação precisa haver punição". Mas ele defendeu que a questão seja definida em uma legislação melhor, que estabeleça punições. "Temos que ter uma legislação que defina claramente quais os parâmetros. A partir dela se faria a análise do passado", destacou ele, apontando que da forma que está toda relação do poder privado com o público acaba sendo criminalizada.

Corrupção, "mas só às vezes"

O tema do momento também ganhou impulso com o depoimento, nesta segunda-feira, do ex-ministro da Justiça do Governo de Dilma Rousseff, o petista José Eduardo Cardozo. Ele também respondeu a perguntas do juiz da Lava Jato na primeira instância e disse que caixa 2 "às vezes pode ser corrupção, às vezes não".
Cardozo fez coro à declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que afirmou, na semana passada, que é preciso “desmistificar” o caixa 2. “Necessariamente ele não significa um quadro de abuso econômico”, disse o magistrado, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, responsável por julgar em breve um processo que pede a cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer. Para ele, muitas vezes uma empresa optaria por uma doação por baixo dos panos para não sofrer "achaques" ou se indispor com candidatos rivais. No caso da Odebrecht, por exemplo, que doou para partidos de quase todos os matizes ideológicos, a tese se mostra frágil.
Mendes, que dedicou seu domingo a almoçar com parlamentares às voltas com o tema, reverberava, por sua vez, a afirmação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Ele saiu em defesa do senador Aécio Neves (PSDB-MG), acusado por um delator da Odebrecht de ter solicitado 9 milhões de reais em doações em caixa 2. “Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção", explicou Cardoso.
Na escala de caixa 2 elaborada pelo tucano, receber uma doação não declarada e utilizá-la em campanha seria uma ofensa menos grave do que se apropriar privadamente do dinheiro. Para FHC, caixa 2 seria “um erro”, enquanto corrupção seria “crime”. A origem dos valores doados também diferenciaria o grau de crime, na leitura de alguns parlamentares. O dinheiro pode ter origem ilegal, fruto de algum acerto corrupto entre o político ou o partido e a empresa, ou pode ser um aporte de dinheiro limpo, apenas não declarado.

Caixa 1, caixa 2 e o balanço do tema no Supremo

O especialista em direito eleitoral Arthur Rollo afirma que dificilmente a tese do caixa 2 “inocente” vai emplacar nos tribunais. “Obviamente será necessário analisar cada caso. Em processos menores uma empresa pode alegar que não doou oficialmente porque seus sócios não quiseram ter o nome atrelado à política”, explica o advogado. Rollo afirma porém que essa “doação despretensiosa, sem interesse escuso, vale para empresas que não tenham contratos com o poder público, o que não é o caso que observamos na Lava Jato”.
Ainda não se sabe qual será o entendimento do STF com relação ao tema quando os casos da Lava Jato começarem a ser julgados. Seja como for, a posição de Gilmar Mendes não é majoritária na corte. Outros juízes do STF já criticaram o caixa 2 e tentativas dos réus e de seus advogados de tratar o tema como um crime menor. Dias após a declaração do presidente do TSE, o ministro Luis Roberto Barroso rebateu o colega. Em declaração à Folha de S.Paulo, ele disse que “caixa 2 e corrupção podem, de fato, ser coisas diferentes, mas ambos são crimes”.
Já a presidenta do STF, a ministra Carmen Lúcia, se manifestou sobre o assunto em 2012. “Caixa 2 é crime e agressão à sociedade”, disse a magistrada. “Acho estranho e muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa dois’ como se fosse algo banal, tranquilo”, disse durante uma sessão do julgamento do mensalão. 
Reportagem de Gil Alessi e Talita Bedinelli
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/13/politica/1489437407_791636.html
foto:http://danmonteirofp.blogspot.com.br/2016/09/agora-lascou-ministro-de-teme-diz-que.html

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