A
tese é de um artigo de pesquisadores do Instituto Internacional para a
Sustentabilidade (IIS) e de outras instituições nacionais e internacionais,
divulgado nesta quinta-feira na revista científica Nature.
O cerrado perdeu 46%
de sua vegetação nativa, e só cerca de 20% permanece completamente intocado,
segundo os pesquisadores. Até 2050, no entanto, pode perder até 34% do que
ainda resta.
Isso levaria à extinção
1.140 espécies endêmicas - um número oito vezes maior que o número oficial de
plantas extintas em todo o mundo desde o ano de 1500, quando começaram os
registros.
"Há 139
espécies de plantas registradas como extintas no mundo todo. Mas claro, sabemos
que espécies foram extintas antes mesmo de a gente conhecê-las", disse à
BBC Brasil Bernardo Strassburg, coordenador do estudo e secretário-executivo do
IIS.
"Mesmo assim, a
perda no cerrado seria uma crise sem proporções."
O desmatamento na
região, de acordo com os pesquisadores, cresceu em níveis alarmantes "por
causa da combinação de agronegócio, obras de infraestrutura, pouca proteção
legal e iniciativas de conservação limitadas".
Mesmo assim,
Strassburg e sua equipe afirmam que o cenário apocalíptico projetado para 2050
pode ser evitado.
'Hotspot de
biodiversidade'
O cerrado
brasileiro, segundo o artigo, tem mais de 4,6 mil espécies de plantas e animais
que não são encontrados em nenhum outro lugar.
"Essa
projeção assustadora que encontramos é uma combinação de dois fatores: o
cerrado é um hotspot global de biodiversidade principalmente por causa das plantas, e
ele já perdeu metade da sua área", afirma Strassburg.
"A área de
desmatamento do cerrado não é maior que a da Amazônia, mas a taxa de
desmatamento é."
Para conseguir
estimar o número de espécies perdidas pelo desmatamento nos próximos 30 anos
com o mesmo ritmo atual, os pesquisadores combinaram os dados mais recentes da
Lista Vermelha de Espécies em Extinção (referentes a 2014) com projeções das
mudanças no uso do bioma.
Das 1.140 que podem
ser perdidas, 657 já são consideradas condenadas à extinção.
"Isso quer
dizer que não tem mais cerrado suficiente para tanta espécie. Se o desmatamento
parasse hoje e não fizéssemos mais nada para recuperar a região, elas seriam
extintas de qualquer jeito", explica.
Seca
Se o aumento recente
do desmatamento da Amazônia, segundo os cientistas, influenciou o regime de
chuvas no Brasil, contribuindo para a seca dos últimos anos, a perda do cerrado
também faz sua parte - mas no solo, e não na atmosfera.
"Tem gente que
se refere ao cerrado como uma floresta de cabeça para baixo, porque dizem que
as raízes lá são tão mais profundas que na Amazônia e na Mata Atlântica. Isso
torna muito grande a capacidade do solo de absorver água, que será armazenada
nos lençóis freáticos", diz Strassburg.
Hoje, 43% da água de
superfície no Brasil fora da Amazônia está no bioma - o que inclui três dos
principais aquíferos do país, que abastecem reservas no Centro-Oeste, no
Nordeste e no Sudeste.
"Mas se você
troca aquela vegetação por uma plantação de soja, essa capacidade de reter água
e alimentar os lençóis freáticos se perde. E vale lembrar que no Brasil crise
hídrica é também é crise energética."
O pesquisador alerta
ainda para o fato de que o desmatamento projetado para as próximas três décadas
emitiria cerca de 8,5 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera.
"Isso é 2,5
vezes mais do que a redução da emissão de gases estufa que o Brasil conseguiu
com a queda no desmatamento da Amazônia entre 2003 e 2012", explica.
Como impedir?
O artigo afirma que,
restaurando áreas do cerrado que foram menos degradadas e são importantes para
a biodiversidade, seria possível reverter até 83% do quadro de extinções
previstas.
"Áreas que não
foram muito degradadas ou não foram desmatadas há muito tempo conseguem se
regenerar, até por causa das raízes profundas e porque têm um banco de
sementes. As outras precisam de um esforço maior", afirma Strassburg.
A equipe do IIS,
segundo ele, trabalha junto ao Ministério do Meio Ambiente para fazer um
mapeamento das áreas que devem ser prioridade em um projeto de recuperação.
Mesmo assim, elas corresponderiam a apenas 3% do total do bioma. Seria o
suficiente?
"A outra metade da equação é parar o desmatamento causado pela
agropecuária", diz. "As culturas de cana-de-açúcar e de soja vão
crescer 15 milhões de hectares nos próximos 30 anos", diz.
Os pesquisadores afirmam, no entanto, que é possível usar áreas já desmatadas
e pouco aproveitadas do cerrado para redistribuir este crescimento - evitando,
assim, que a expansão da produção agrícola avance para territórios preservados.
Mais de 75% do cerrado já desmatado, segundo Strassburg, é utilizado em
pastagem de baixa produtividade. Isso quer dizer que os produtores têm um boi
por hectare, quando poderiam ter três.
"Se você colocasse só dois por hectare já liberaria terra
suficiente para toda a expansão de soja e de cana, sem precisar fazer mais
desmatamento", afirma.
O artigo diz que as políticas públicas necessárias para integrar
agricultura e pecuária na região e evitar a perda do bioma já existem, e
precisam apenas de integração.
Mas, para Strassburg, isso também dependerá dos produtores.
"O agronegócio brasileiro está numa encruzilhada no que diz
respeito ao cerrado: pode se colocar como responsável pela maior crise de
extinção de plantas registrada no mundo ou pode ser líder de em uma
produtividade mais sustentável."
"Ele vai ser o grande vilão da história e perder acesso aos
mercados globais ou dar lição de sustentabilidade e mostrar que é possível
crescer contribuindo para a conservação das espécies?", indaga.
Reportagem
Camilla Costa
fonte:
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39358966#orb-banner
foto:http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cmads/noticias/cerrado
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