20/07/2015

Acordo de US$ 40 mi em que Austrália envia imigrantes ao Camboja viola direitos humanos, diz ativista

Tratado que prevê envio de aspirantes a refugiados da Austrália para o Camboja foi assinado há um ano, e primeiro grupo foi transferido em junho: 'como podemos ter certeza de que não foram forçados a aceitar proposta?', pergunta ativista.



“O governo cambojano assinou há um ano um acordo com o governo australiano que estabelece o acolhimento de refugiados provenientes da Austrália. No acordo se especifica que serão transferidas apenas pessoas que aceitem voluntariamente o procedimento, e ninguém será obrigado a tomar esta decisão. A pergunta é: como podemos ter certeza de que essas pessoas não foram forçadas pelo governo australiano a aceitar essa proposta? Em minha opinião, nenhuma destas pessoas queria de fato ser transferida para o Camboja.”
Suon Bunsak é secretário-geral do CHRAC (Comitê de Ação pelos Direitos Humanos no Camboja, em tradução livre), uma coalizão de 21 organizações que há anos trabalham em prol dos direitos humanos no país. Nesta entrevista, ele comenta a situação de quatro refugiados transferidos pelo governo australiano para o país a partir da ilha de Nauru no começo de junho – dois homens e uma mulher de origem iraniana e um homem da etnia rohingya, proveniente de Mianmar. Essas quatro pessoas fugiram de seus territórios de origem para a Austrália em busca do status de refugiados naquele país.
A situação, diz Bunsak, não é muito clara, e em Phnom Penh, principal cidade do Camboja, organizações que defendem os direitos humanos estão buscando, por meio de solicitações oficiais ao governo, entender o caso.
Você pode explicar a situação dos refugiados aqui no Camboja?
O Camboja adere à Convenção Internacional de Refugiados, e se comprometeu a respeitar as regras estabelecidas nesta convenção. Com relação às pessoas que chegaram agora, sabemos que foram detidos em águas australianas durante a viagem para o país. Foram transferidos para a ilha de Nauru, onde ficaram internados em um centro de acolhimento para estrangeiros enquanto aguardavam as diretrizes do governo australiano, que decidiu transferi-los para o Camboja.
Como chegaram e onde estão agora?
Chegaram em um voo regular, enviados pelo governo australiano. Estão alojados em um prédio no centro de Phnom Penh. O governo lhes providenciou um apartamento seminovo em um edifício ao lado do Museu do Genocídio, onde estão vivendo juntos. Sei que estão tendo aulas de língua e cultura cambojana e aguardando para entender, como também nós estamos, como será a vida deles aqui.
Como a população cambojana reagiu a essa medida?
A escolha deste tipo de acolhimento fez muita gente torcer o nariz aqui em Phnom Penh. Há quem os considere “sortudos”, porque pelo menos podem dormir em um lugar digno, coisa que nem todas as pessoas aqui podem. Quero que fique claro que ninguém acha que estas pessoas não devem ser ajudadas, visto que estavam em perigo e passando por dificuldades em seus países de origem, mas muitos gostariam de ter as mesmas facilidades e receber este mesmo tratamento por parte do governo. Aqui há muitas pessoas em dificuldade que não são ajudadas de forma alguma pelo governo, o que alimenta raiva e frustração.
Qual foi a contribuição financeira por parte da Austrália para o estabelecimento deste acordo?
Ninguém tem certeza sobre valores, mas especula-se que seja algo em torno de 40 milhões de dólares [cerca de 125 milhões de reais]. Segundo o acordo, este dinheiro será utilizado para projetos de desenvolvimento no Camboja. Mas quem pode ter certeza de que será de fato investido nisso? A corrupção no país é difusa e difícil de combater.
Qual é a situação destes refugiados em comparação com a situação dos refugiados “normais”, que tentam entrar em território cambojano através da fronteira?
Estas pessoas ainda não têm o status de refugiados, mas é sabido que terão muito menos dificuldade do que qualquer outra pessoa que busca entrar no país a partir da fronteira. A situação deles é profundamente diferente. Segundo o acordo com a Austrália, estes quatro imigrantes receberão o status de refugiados; estão “cobertos” pelo acordo que lhes permitirá obter o status rapidamente e sem nenhum tipo de problema: para todos os efeitos, se tornarão cidadãos cambojanos. Por isso digo que a situação deles é diferente.
Para quem pede asilo no país e status de refugiado de maneira independente, o procedimento consiste primeiramente em uma entrevista na secretaria do Ministério do Interior que se ocupa dos refugiados. Essa pessoa deve então passar por testes; no fim, o percentual de solicitações recusadas é muito alto.
O status destas pessoas, no entanto, foi estabelecido a partir do acordo com a Austrália e não dos procedimentos normais realizados no Camboja. Por exemplo, imigrantes chineses da etnia uigur ou vietnamitas que tentam atravessar a fronteira para pedir asilo são frequentemente enviados de volta para seus países de origem, sem direito nem mesmo a entrevista. Isto porque o Camboja tem acordos com a China e o Vietnã para não aceitar estes casos.
O que o senhor acha desse acordo entre Camboja e Austrália?
Pessoalmente sou contra o acordo, porque a partir do momento em que o Camboja se compromete a aceitar estes refugiados, comete uma violação de direitos humanos. O governo australiano já cometeu uma violação, porque eles querem viver na Austrália, é para lá que estavam indo. Sendo parte da convenção sobre refugiados, a Austrália deveria reservar um tratamento correto a essas pessoas, e não é o que está fazendo. Essas pessoas foram enviadas para o centro de acolhimento na ilha de Nauru e permaneceram lá antes de serem enviados pra cá. A Austrália já cometeu uma violação. Se o Camboja colabora com a Austrália, se torna parte desta violação. O comitê que eu represento é contrário ao acordo; não queremos ser cúmplices disso.
Do governo cambojano, queremos clareza sobre os termos do acordo, além de um tratamento ético e igualitário a todos os refugiados. Todas as pessoas devem ter as mesmas possibilidades de adquirir o status de refugiado, que deve ser concedido de acordo com a história de vida da pessoa, não a partir de um acordo entre dois governos.

Reportagem de Tommaso Del Re | il manifesto | Phnom Penh
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40937/acordo+de+us%24+40+mi+em+que+australia+envia+imigrantes+ao+camboja+viola+direitos+humanos+diz+ativista.shtml
foto:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40937/acordo+de+us$+40+mi+em+que+australia+envia+imigrantes+ao+camboja+viola+direitos+humanos+diz+ativista.shtml

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